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Nº 1613 - Ano 34
09.06.2008

Dirceu Greco

“Não há pesquisa isenta”

Itamar Rigueira Jr.


Paulo Cerqueira
Dirceu Greco
Greco: controle social sobre a pesquisa

Com a autorização para a utilização em pesquisas das células-tronco embrionárias, depois de julgamento de ação de inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança no Supremo Tribunal Federal (STF), é preciso cuidar dos limites, defende o professor Dirceu Greco, da Faculdade de Medicina. Membro do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, Dirceu Greco lembra também, nesta entrevista ao BOLETIM, que a possibilidade de realizar estudos de ponta não pode tirar de perspectiva a necessidade de garantir à população o acesso aos cuidados básicos de saúde.

Depois da autorização para as pesquisas com células-tronco, qual é a grande preocupação daqui em diante?

A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa vai se debruçar sobre uma discussão muito mais ampla, que envolve os limites. Há uma série de riscos. Como toda pesquisa nova, tem que estar balizada. A clonagem humana, por exemplo, não será permitida, está na lei, muito claro. Uma questão que sempre pauta a Comissão Nacional é a da visibilidade para facilitar o controle. Posso afirmar tranqüilamente que não há pesquisa isenta, cada um tem o seu interesse, a pesquisa está relacionada com o meio, com o mercado, com o que está na moda.

Então é fundamental que haja um processo de controle social. Parece o admirável mundo novo: agora vamos mudar a cor do olho, crescer dez centímetros, rejuvenescer 30 anos. Não estamos diante de um “agora liberou geral”. O material está disponível para ser utilizado desde que haja um projeto bem estruturado, com gente competente e objetivo claro, que não traga prejuízo nem lucro a ninguém. E que seja avaliado por um comitê de ética. Temos pesquisadores competentes em todas as áreas. Mas a decisão não pode ser só do pesquisador, do cadeirante ou da universidade. Os locais da decisão são os comitês de ética das instituições e o Conselho Nacional.

Como o senhor viu a utilização de argumentos éticos, morais e religiosos nesse debate?

Primariamente a discussão é ética. Podemos fazer isso? Há também um lado pragmático: estamos falando sobre um material que estava lá guardado para ser descartado. Era ético, ou legal, ou moral que estocássemos células que poderiam se transformar em seres humanos? Essa discussão não foi aprofundada.

Aquilo foi permitido e foi feito, tinha uma razão que é a reprodução assistida. Se está lá, qual a maneira de utilizar? Aí entra a ética. Não vamos utilizar para qualquer coisa. Vamos nos basear em parâmetros nacionalmente aceitos, definidos, regulamentados. Muitos que entraram na discussão tentaram descaracterizar a abordagem da religião. Mas no fundo estavam pensando na moral religiosa: aquele é um ser vivo que Deus criou, e se Deus criou tem que seguir daquele jeito. O clima foi algumas vezes de embate mesmo, maniqueísta.

Não é preciso ter cuidado com expectativas exageradas?

Agora que se liberou, vai acontecer o quê? Provavelmente nada, agora começa o grande trabalho para se saber a importância disso. Mesmo as pesquisas em outros países são incipientes porque há um desconhecimento sobre esse campo. Um trabalho que utilizava terapia gênica trouxe inicialmente uma resposta muito boa, mas também registrou aumento de mortalidade entre os pacientes. Foi um balde de água fria, porque se esperava uma resposta espetacular.

Essa demora deixou o Brasil muito atrasado nas pesquisas sobre o assunto?

Ainda está em tempo. O Brasil tem uma base de pesquisadores muito bem formada. Por um lado, é claro que poderia ter começado antes. Por outro, sabemos o que foi feito de errado e não vamos repetir. As experiências já existem e muita coisa está sendo publicada, pelo menos em estágio inicial.

O que essa decisão deve trazer de influência num contexto mais amplo?

O debate teve visibilidade nacional, foi muito mais abrangente do que esperávamos. Pessoas de origens diferentes fizeram discussões de alto nível, estruturadas. Foi um exemplo bom, que pode ser útil para outras questões. Mas tenho também uma visão crítica. Se pensarmos que vivemos num país com tanta iniqüidade, focar em algo que pode trazer um grande benefício a longo prazo pode abafar as nossas necessidades básicas.

Claro que o Brasil precisa de muita coisa em relação à pesquisa, mas precisamos principalmente tornar disponível para todos aquela pesquisa que já se mostrou eficaz. Melhoramos nossa superestrutura e a população tem dificuldade de acesso aos cuidados básicos de saúde. É bom saber que vamos elevar a qualidade de nossa pesquisa a níveis internacionais. Mas não se pode pensar que podemos consertar tudo o que fizemos de errado apenas com as células-tronco.

Que outro debate acontece hoje no campo da ética?

Uma questão candente gira em torno dos parâmetros éticos: devem ser internacionalmente aceitos ou localizados? A regulamentação da Associação Médica Mundial sobre ética em pesquisa é muito estrita, diz que os voluntários em pesquisa têm direito a receber o melhor cuidado, independentemente de onde estão. A medicação que for desenvolvida lá deve ser acessível a elas etc. E é claro que há uma pressão intensa da indústria farmacêutica, que argumenta não ter nada a ver com as iniqüidades locais, que o voluntário entrou porque quis.

A pressão norte-americana é no sentido de que essa ética não pode ser tão estrita. Caso contrário, laboratórios e financiadores serão espantados. Acho que o Brasil tem um papel importantíssimo nesse caso; nossa posição é muito firme em relação à proteção do voluntário. E, com relação às células-tronco, é possível pensar que, se um outro país for menos estrito em relação à ética, muita gente pode resolver fazer lá sua pesquisa, achar que não vale a pena fazer aqui. Citando o cubano José Martí, nosso país é a humanidade. O Brasil deve defender internacionalmente suas posições, defender na OMS, na ONU, que os parâmetros da pesquisa sejam iguais no mundo inteiro.