Busca no site da UFMG

Nº 1613 - Ano 34
09.06.2008

Nova rota para os fulerenos

Paulo Cerqueira
Rossimiriam e Equipe
Rosemeire Alves, Leandro dos Santos e Rossimiriam Pereira de Freitas: artigo de capa em publicação inglesa

Estudo de pesquisadora da UFMG abre portas para a produção de nanomoléculas com aplicação na medicina

Ana Maria Vieira

A inglesa Chemical Communications, conceituada publicação científica da área de química, estampa como artigo de capa, em sua edição de junho, pesquisa que promete alterar os rumos da produção de derivados do fulereno, nanomolécula com grande potencial de aplicação na área biomédica e em energia alternativa. O trabalho, que em abril recebeu espaço como hot article em jornal eletrônico do mesmo grupo editorial, tem entre os autores a professora Rossimiriam Pereira de Freitas, do departamento de Química do Icex. Parte dos estudos resulta de sua pesquisa de pós-doutorado, realizado no Laboratoire de Chimie de Coordination, em Toulouse, entre 2006 e 2007.

“Nesse artigo descrevemos, pela primeira vez, a obtenção de fulerenos modificados por meio do método da click chemistry”, resume a professora. A rota click mostrou eficiência inédita para driblar desafios que limitavam o manuseio de fulerenos e, em especial, sua funcionalização – processo em que são ligados a grupos orgânicos para formar derivados mais solúveis, utilizados para diversos fins.

Descrita originalmente pelo norte-americano Karl Barry Sharpless, Prêmio Nobel em Química no ano de 2001, a técnica click identifica toda reação química processada de modo rápido, com bom rendimento e de fácil purificação. O encaixe por afinidade, que ocorre entre seus elementos, é observável mesmo em temperatura ambiente. Além disso, estruturas sintetizadas com a técnica são tão estáveis que não é possível desfazer suas ligações.

A via se mostrou alternativa eficiente para o trabalho de modificação química dos fulerenos, sobretudo devido à capacidade incomum de eles interagirem com espécies ricas em elétrons. Tal característica não os deixa, por exemplo, manter-se dispersos em solução; ao contrário, eles se agregam e perdem, no processo, qualidades químicas e físicas próprias da dimensão nanométrica (bilionésimo do metro). Sua sensibilidade também constitui desafio para formar novos compostos, pois as características mudam em interações com diversos grupos funcionais.

A rota para a modificação química relatada no artigo permite, porém, que as moléculas de fulerenos mantenham inalteradas suas propriedades fotofísicas ao interagirem com outros elementos. A estratégia recorreu ao uso de dois grupos funcionais, denominados precursores para a técnica click: o alquino e a azida. Numa primeira etapa, fulerenos foram ligados a cada um desses grupos. Posteriormente, nanomoléculas contendo alquino foram ligadas – ou clicadas – a compostos com azida. O procedimento foi repetido com fulerenos associados a azida, clicados a moléculas contendo alquino. É essa rota que evita reações laterais da nanomolécula com elementos aos quais são sensíveis.

Visualmente, o produto final é uma “bola de futebol” – forma do fulereno – dotada de minúsculos ramos. Como observa Rossimiriam Freitas, a partir das extremidades livres desses braços (onde se encontra a azida ou o alquino), será possível, doravante, ligar o fulereno a qualquer outro tipo de molécula, entre elas, proteínas e anticorpos. “Uma das funções desses ‘raminhos’ é proteger o núcleo do fulereno”, diz Rossimiriam, explicando que, com a nova estrutura produzida pela reação click, as “bolinhas” do fulereno podem se organizar de acordo com as características dos seus “ramos” alquino-azida.

Artigo: Click chemistry for the efficient preparation of functionalized [60] fullerene hexakis-adducts
Publicação: Chemical Communicationas
Autores: Rossimiriam Pereira de Freitas (UFMG); Béatrice Delavaux-Nicot (CNRS); Jean-François Nierengarten e Julien Iehl (Université Louis Pasteur)

No compasso de Fuller

Identificados em 1985, os fulerenos são formados unicamente por átomos de carbono e possuem propriedades físicas e químicas consideradas únicas para aplicação na medicina. Isso decorre tanto de sua estrutura eletrônica quanto do formato simétrico e tridimensional da molécula.

O termo fulereno homenageia o arquiteto norte-americano Richard Buckminster Fuller, que desenvolveu e popularizou, nos anos 50, as cúpulas geodésicas. Construídas pela reunião de pequenos tetraedros para formar uma esfera, essas cúpulas se assemelham aos fulerenos.

Conforme consta em literatura da área, derivados de fulerenos possuem atividade antitumoral (sobretudo como fotossensibilizadores), anti-HIV (in vitro foram capazes de destruir o vírus) e antimicrobiana. Apresentam, ainda, potencial para formar cristais líquidos e células orgânicas solares – neste último caso, devido à sua capacidade de absorver energia luminosa e transformá-la em elétrica.

A síntese da molécula na UFMG ocorre no departamento de Física, sob a coordenação dos professores Maurício Pinheiro e Klaus Krambock. Em 2005, como relembra Rossimiriam, eles a convidaram a participar do processo de modificação química da molécula. “As dificuldades enfrentadas me estimularam a realizar o pós-doutorado na França”, diz.

Atualmente, realiza, com a colega de departamento, a professora Rosemeire Alves, modificações químicas em fulerenos para vários grupos de pesquisa na UFMG, como em seu uso para fototerapia de leishmaniose. Desenvolve, ainda, trabalho com grupo da Unicamp, onde as investigações estão concentradas na aplicação da molécula em células orgânicas solares. Contando com recursos da Fapemig e do CNPq, o grupo da UFMG, segundo Rossimiriam, é o único no país especializado em modificação química de fulerenos.