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Nº 1613 - Ano 34
09.06.2008

Trabalho que não regenera

Estudo de psicóloga da Fafich revela que as ocupações em presídios pouco contribuem para a ressocialização

Ana Luísa Sá

Foca Lisboa
Vanessa Barros
Vanessa de Barros: trabalho apenas mantém os detentos ocupados

Apesar de associado a valores como dignidade e cidadania, o trabalho é um instrumento pouco eficaz de ressocialização. As atividades laborais oferecidas nos cárceres são banais e repetitivas, pouco acrescentam para a formação profissional dos detentos e estão longe de trazer uma perspectiva financeira comparável aos tentadores ganhos advindos das práticas criminosas. Essas são conclusões preliminares de estudo desenvolvido há dois anos em presídios mineiros pela professora Vanessa Andrade de Barros, do departamento de Psicologia da Fafich.

Intitulada Função política do trabalho: um estudo no sistema prisional de Minas Gerais, a pesquisa, financiada pela Fapemig, analisa o sentido do trabalho para os presos e busca identificar se eles saem preparados para o mercado de trabalho após o cumprimento das penas. Vanessa de Barros lidera equipe de pesquisadores que vem realizando entrevistas com presos e funcionários dos presídios. As conclusões, ainda que não sejam definitivas, pintam um cenário pouco animador. “Constatamos que, da forma como é oferecido dentro dos presídios, o trabalho não contribui em nada para a recuperação dos presos. Ele é usado não como estratégia de formação profissional dos detentos, e sim como forma de mantê-los ocupados”, analisa a professora Vanessa de Barros.

Na cadeia, os presos aprendem a fazer origami, vasos de argila e tricô, ofícios que não compensam financeiramente se comparados com os ganhos do crime. “Esse é o nosso grande desafio: descobrir o que poderia competir com o tráfico, já que 90% dos presos estão lá devido a essa modalidade de crime, que pode render R$ 500 em um dia. Eles não vão se submeter a um trabalho que vai dar no máximo R$ 300 por mês", avalia a professora. Além de proporcionar dinheiro, o tráfico também traz reconhecimento, principalmente para os homens. “Traficantes são temidos e respeitados”, diz a professora. “O que eles poderiam fazer para conseguir uma renda que lhes garantisse a sobrevivência e, ao mesmo tempo, reconhecimento para resgatar a auto-estima e evitar a reincidência no crime?” questiona.

O estudo está concentrado na unidade da Associação de Proteção e Assistência ao Condenado (Apac), em Santa Luzia, na Penitenciária Feminina Estevão Pinto, em Belo Horizonte, e em presídio localizado em Três Corações, no Sul de Minas.

Mais-valia

Os presídios também funcionam como centros fornecedores de produtos e serviços para empresas conveniadas. Os presos são encarregados de costurar bolas, dobrar caixas, fazer vassouras. Para executar esse trabalho, recebem apenas um percentual do salário-mínimo. As empresas que se beneficiam da mão-de-obra dos detentos estão isentas de encargos trabalhistas, o que lhes permite vender seu produto mais barato, o que configura, para Vanessa de Barros, uma concorrência desleal. “Essa também é uma questão muito séria. Ainda assim, os presos preferem fazer qualquer coisa a permanecer desocupados. Cada três dias de trabalho representa um dia a menos de pena a cumprir", afirma a professora.

Há luz no fim do túnel? Para a equipe envolvida no trabalho, soluções passam por ações coordenadas e bem estruturadas. Uma delas pode estar em projeto, desenvolvido em parceria com um instituto de direitos humanos de Belo Horizonte, destinado a constituir associação de ex-presos e familiares para proporcionar formação profissional aos presidiários. A proposta foi encampada pela Apac de Santa Luzia e deve ser adotada partir do mês que vem. “Nessa primeira experiência, os presos vão aprender a cultivar plantas ornamentais e contarão com a associação para comercializar o que produzirem”, comenta Vanessa de Barros.