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Nº 1613 - Ano 34
09.06.2008

Bomba desarmada

Pesquisa confirma eficiência do tratamento contra fenilcetonúria feito no Nupad; sem acompanhamento, doença provoca retardo mental irreversível

Walmir Monteiro
Isabel e crianças
Estagiária do Nupad realiza atividades com crianças atendidas pelo Programa Estadual de Triagem Neonatal

Ana Luísa Sá

Pesquisa pioneira no Brasil concluiu que 73% dos pacientes fenilcetonúricos entre seis e doze anos de idade em Minas Gerais estão dentro ou acima da qualificação de inteligência normal. É o que revela a dissertação da psicóloga Isabel Pimenta Spínola Castro, que avaliou 63 crianças tratadas pelo Serviço Especial de Genética do Hospital das Clínicas e acompanhadas pelo Núcleo de Ações e Pesquisa em Apoio Diagnóstico (Nupad) da UFMG. Esse número representa 90% dos pacientes atendidos no estado nessa faixa etária. A dissertação foi defendida em maio último.

A fenilcetonúria é uma doença genética, cujos portadores, os fenilcetonúricos, não conseguem metabolizar o aminoácido fenilalanina, gerando efeitos tóxicos que diminuem a produção de neurotransmissores. A principal conseqüência é o retardo mental. Em Minas Gerais, a incidência da doença é de uma para cada 21 mil crianças.

A pesquisa surgiu da necessidade de investigar o desenvolvimento cognitivo das crianças, uma vez que o objetivo principal da triagem é evitar o retardo mental em decorrência da doença. Os pacientes foram submetidos ao teste de escala de inteligência Wechsler, WISC – III, dirigido a crianças. Ele fornece informações não só do desenvolvimento geral da criança, mas também de aspectos específicos como memória, organização perceptual e velocidade de processamento. Esses dados foram cruzados com o controle da doença e com o nível socioeconômico do paciente.

As crianças que conseguiram manter um controle mais eficaz da doença e aquelas que se encontravam em melhor situação socioeconômica foram as que mais se destacaram no teste. “Esse dado mostra a relevância do tratamento no prognóstico do desenvolvimento cognitivo. Ajuda também no trabalho com as famílias, já que, aparentemente, as crianças podem não apresentar problemas. Isso, no entanto, só pode ser efetivamente avaliado a partir de pesquisa psicológica”, explica Isabel Castro.

Segundo a psicóloga, o nível socioeconômico não é o principal fator de adesão ao tratamento, e sim o entendimento da doença e da importância de seguir a dieta. “O que se percebe é que as famílias mais pobres muitas vezes têm dificuldade de compreender a gravidade da doença. Isso ocorre porque a criança não apresenta sintomas. Como os efeitos tóxicos da fenilalanina são cumulativos e progressivos, eles aparecem a médio e longo prazo, principalmente na forma de dificuldade escolar”, afirma.

Os pacientes que estão abaixo da média de inteligência considerada normal são aqueles que fizeram o controle da doença aquém do recomendado pela equipe médica e que possuem nível socioeconômico inferior. Ainda segundo a pesquisadora, o estudo afirma a eficácia do programa do Nupad e do tratamento: “Se não fossem a triagem e o acompanhamento, todos os pacientes certamente teriam retardo mental, de graus variados, mas sempre de caráter irreversível.”

Tratamento

A doença não tem cura, e o tratamento é feito por meio de uma dieta restrita, pobre em proteínas naturais existentes em alimentos como carne, feijão, soja, leite, derivados e trigo. A interrupção da dieta está relacionada ao surgimento de diversos sintomas como agressividade, ansiedade, diminuição de QI e alterações cognitivas.

Segundo Isabel Castro, as crianças da faixa etária de seis a doze anos são as que encontram mais dificuldades em seguir a dieta. É nessa fase que a criança começa a ampliar sua rede social, passando, por exemplo, a comer fora de casa. “Nessa idade, ela ainda não consegue vislumbrar os riscos da má alimentação”, conta Isabel.

O resultado da pesquisa será repassado às famílias de todas as crianças fenilcetonúricas do estado para que seja reforçada a importância do controle da alimentação e para trabalhar as necessidades específicas com cada uma daquelas que participaram da pesquisa. “Além do objetivo teórico, a pesquisa tem propósito prático de melhorar o tratamento e incluir a criança nesse processo. Ela tem que se sentir, no mínimo, co-responsável pelo tratamento. Muitas vezes a família assume sozinha o cuidado para que o controle seja feito corretamente. Só que a partir de determinada idade, as crianças, apesar de mais crescidas, continuam sem saber o que podem ou não comer porque sempre receberam um prato pronto”, conclui a psicóloga.

Dissertação: Avaliação da inteligência de pacientes com fenilcetonúria atendidos pelo Programa de Triagem Neonatal de Minas Gerais
Aluna: Isabel Pimenta Spínola Castro
Defesa: 8 de maio, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde (área de concentração em saúde da criança e do adolescente)
Orientador: Marcos José Burle de Aguiar
Co-orientadora: Ana Lúcia Pimenta Starling