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Nº 1616 - Ano 34
26.06.2008

Corrida de obstáculos para mulheres

Pesquisadora mostra que ambiente político rejeita as mulheres; Nepem promove curso para candidatas mineiras

Itamar Rigueira Jr.

As mulheres representam 51% da população, 51,7% do eleitorado e 42% da população economicamente ativa no Brasil. Mas não chegam a ocupar 9% das cadeiras da Câmara dos Deputados, e são apenas sete entre os 77 parlamentares na Assembléia Legislativa de Minas Gerais. É, como se vê, precária a situação delas do ponto de vista da ocupação de espaços políticos formais no Brasil. No quesito representatividade política feminina, o país, na América Latina, está à frente apenas de Colômbia e Haiti.

A professora e pesquisadora Marlise Matos, do Departamento de Ciência Política (DCP) da Fafich, tem uma imagem clara para descrever esse quadro. “A participação da mulher na política é uma corrida de obstáculos, que vão desde problemas de socialização e auto-estima até entraves típicos da estrutura dos partidos políticos, que é fundamentalmente patriarcal”, explica. Marlise coordena o Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre a Mulher (Nepem) da UFMG, que acaba de organizar um grande evento, no campus Pampulha, reunindo ONGs e representantes do feminismo acadêmico de 23 estados. O grupo de trabalho Gênero, Política e Políticas Públicas foi o que mais recebeu trabalhos candidatos a apresentação.

A lei não contribui para aumentar a presença feminina na política. Se é verdade que desde a década de 90 os partidos são obrigados a apresentar listas de candidatos com mínimo de 30% de mulheres, acontece também que aumentou o número máximo de candidaturas por partido, e essas organizações não precisam cumprir a cota se não atingem o teto de indicações – o que não é nada raro.

As dificuldades enfrentadas pelas mulheres não terminam antes das eleições, segundo Marlise Matos. Depois de eleitas, uma série de fatores complica sua permanência. “Os espaços são extremamente masculinizados. Os projetos das parlamentares têm pouca visibilidade dentro das próprias bancadas. E há casos de assédio moral e sexual, o que faz com que algumas mulheres entrem em depressão e abram mão de seus mandatos”, conta Marlise, que desde 2003 coordena a Rede Brasileira de Estudos e Pesquisas Feministas (RedeFem). Grande parte dos dados e impressões citados pela professora constam da primeira etapa da pesquisa A política na ausência das mulheres, realizada pela equipe do Nepem, sob sua coordenação.

Aulas de política

Como não há sinais, de acordo com a pesquisadora, de que o cenário vá mudar em pouco tempo, há muito trabalho a fazer. Uma das iniciativas do Nepem é a promoção de curso para 270 candidatas a vereadoras em cinco regiões de Minas Gerais. O objetivo é aproximar essas mulheres de temas básicos – como a história política do estado e o sistema político brasileiro –, conscientizá-las sobre aspectos como cidadania e direitos humanos e mostrar como se faz uma campanha. O curso, gratuito, é financiado pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal, e pela Assembléia Legislativa de Minas Gerais, que arcam também com as despesas de alimentação, transporte e hospedagem.

Apesar dessas facilidades, o curso não recebeu a devida atenção por parte dos partidos e das candidatas. “Conseguimos as listas de candidatas dos partidos depois de muita insistência e adiamentos. No primeiro fim de semana do curso, muitas inscritas faltaram”, relata Marlise Matos, que mantém a esperança de conseguir levar as aspirantes resistentes às aulas.

O otimismo de Marlise fica evidente na sua disposição para discutir o assunto, sempre munida de suas apresentações em powerpoint – “vou a debates na esquina se me chamarem”, ela garante. O esforço do movimento feminista tem sido reforçado, segundo a professora, pela descoberta tardia de que as transformações dependem da atuação da mulher por dentro do Estado, contribuindo para a criação de estruturas como a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, com status de ministério, e para a instituição do lobby que procura influenciar decisões sobre a reforma política, por exemplo.

A cientista política adapta do jargão da psicanálise – que está na origem de sua formação acadêmica – uma expressão para referir-se ao machismo que domina a política no Brasil. “Chamo de ‘inconsciente de gênero’ a tendência à segregação que está arraigada em nossas organizações”, diz Marlise Matos. Ao divulgar o conhecimento adquirido com as pesquisas, ela tenta modificar hábitos triviais como o que leva líderes a marcar reuniões dos partidos tarde da noite. “Quem fica com as crianças para que as mulheres possam participar?”, questiona.

E que não se espere muito o apoio das famílias. “Uma deputada chegou a ouvir do próprio pai, no leito de morte, que não entendia sua opção pela política, que nunca tinha votado nela e nunca votaria”, conta a pesquisadora.

Marcelo Borges
mulher