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Nº 1624 - Ano 34
08.09.2008

opiniao

As cotas e as políticas de controle de evasão escolar

Rocksane de Carvalho Norton*

Na edição de 25 de agosto do BOLETIM (no 1.622), o jornalista e professor Marcos Fabrício Lopes da Silva apresentou um “olhar poético sobre as cotas”. O tema tem sido freqüentemente abordado pela imprensa e, na esfera pública, as opiniões são diversas. Enquanto o debate sobre a inclusão de segmentos sociais historicamente excluídos do ensino superior cresce e se diversifica, pouco se discute sobre a manutenção desses estudantes nas universidades até a conclusão do curso.

E, no contexto social brasileiro, a exclusão racial ou étnica não pode ser desvinculada da exclusão socioeconômica. A “universidade blindada”, como constatou o professor, tem sido um espaço majoritariamente de brancos e de brancos ricos. O censo socioeconômico dos alunos de graduação da UFMG mostra que 28,91% deles têm renda familiar até cinco salários-mínimos, 26,31% entre cinco e dez e 44,78% acima de dez salários-mínimos. Devido às desigualdades socioeconômicas, cumprir o princípio da diversidade no corpo discente, além de ações inclusivas, exige uma segunda condição: a adoção de medidas que garantam a permanência dos estudantes no ensino superior.

Entre muitos alunos que se esforçaram para serem aprovados nos competitivos vestibulares das instituições públicas de ensino, existe a máxima segundo a qual “sair da universidade é mais difícil do que entrar”. Um rendimento acadêmico positivo representa, para muitos, um percurso tortuoso e desafiador, dividido entre aulas, trabalho e atividades de pesquisa ou extensão, a fim de garantir recursos tanto para a manutenção quanto para uma formação acadêmica diferenciada. Além de despesas com necessidades fundamentais – transporte, alimentação e moradia –, a compra de livros, instrumentais e a participação em eventos compõem apenas parte do investimento financeiro necessário ao bom desempenho dos discentes.

Não pensar políticas de assistência estudantil capazes de garantir a permanência dos estudantes na universidade em condições de obter bons resultados acadêmicos é incluir com uma mão e excluir com a outra. É pagar uma dívida e, ao mesmo tempo, acumular despesas. Em 2006, incluir 138.668 jovens em faculdades particulares por meio do Prouni exigiu uma renúncia fiscal de R$ 265 milhões. Paralelamente, a evasão e a retenção no ensino superior público geram um custo anual de R$ 486 milhões, segundo estimativas da Secretaria de Educação Superior do Ministério da Educação.

Não pensar políticas de assistência estudantil capazes de garantir a permanência dos estudantes na universidade em condições de obter bons resultados acadêmicos é incluir com uma mão e excluir com a outra. É pagar uma dívida e, ao mesmo tempo, acumular despesas

Ações afirmativas para inclusão minimizam, nas palavras do escritor Luiz Silva (Cuti) – que inspiraram o artigo do professor Marcos Fabrício Lopes –, “um mar de dívidas/contraídas/pelos que sempre tornaram gorda a sua cota”, mas, caso não sejam acompanhadas por políticas que garantam a permanência, as desigualdades sociais perpetuarão. Estudantes mais aquinhoados continuarão mantendo, para citar novamente o professor, a “paisagem acadêmica tida como bela e ideal”. Cotas e bônus não serão suficientes para garantir efetivamente a inclusão dos alunos de menor condição financeira.

Documento publicado pelo Ministério da Fazenda em 2003 revela que 46% dos recursos do Governo Federal para o ensino superior beneficiam indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população. O fato de todos os cidadãos – ricos, pobres, brancos e negros – pagarem impostos que financiam os estudos de uma pequena parcela de brasileiros de condição socioeconômica mais elevada aumenta a responsabilidade das universidades públicas com a distribuição de recursos e oportunidades. Ao jovem de baixa renda não basta garantir o direito de acesso, é preciso também assegurar-lhe o direito constitucional de permanência em condições eqüitativas.

Nesse sentido, não se pode deixar de reconhecer o esforço da UFMG em implementar e desenvolver, ao longo dos últimos 79 anos, uma rede cidadã de assistência estudantil por meio da Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump). Em 2008, pela primeira vez, o Governo Federal destinou verba pública específica para esta finalidade. Todavia, os recursos são insuficientes para manter a ampla política assistencial que a UFMG desenvolveu em suas oito décadas de existência.

O cenário tornou-se ainda mais desafiador depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade da Contribuição ao Fundo de Bolsas vinculada à matrícula, exatamente no momento em que a UFMG implementa mecanismos de inclusão que aumentarão, já em 2009, o número de alunos e, principalmente, daqueles egressos da escola pública. Diante desse novo panorama, está posto o desafio de manter o trabalho de assistência desenvolvido pela Fump, fortalecendo o ideal de uma universidade excelente, relevante, plural e solidária.

*Presidente da Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump) e professora da Faculdade de Medicina da UFMG

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