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Nº 1626 - Ano 34
22.09.2008

Sob medida

Tese do ICB identifica genes associados à resposta
terapêutica na esquizofrenia

Ana Maria Vieira

O desenvolvimento da esquizofrenia, a resposta do paciente ao tratamento e a apresentação de efeitos colaterais de medicamentos antipsicóticos podem estar associados a variações genéticas entre os indivíduos. Essa é uma das conclusões da tese de doutorado de Renan Pedra de Souza, defendida no início deste mês na UFMG. Para delinear esse quadro, o pesquisador analisou variações na forma – ou polimorfismos – de nove genes que poderiam estar relacionados à manifestação da doença. Três deles e algumas de suas variações sinalizaram positivamente às hipóteses sugeridas por Souza.

Parte do trabalho foi realizada na Universidade de Toronto, no Canadá. Ali, o pesquisador estudou amostras de sangue da população norte-americana e canadense – sadia e portadora da doença. Os resultados obtidos podem favorecer, em futuro próximo, a produção de testes genéticos destinados a identificar a probabilidade de ocorrência de efeitos colaterais em usuários de drogas específicas e até mesmo a síntese de medicamentos que atendam à variabilidade genética dos indivíduos. Atualmente, 1% da
população mundial é portadora da doença. O percentual também se aplica ao Brasil.

Foca Lisboa
renam
Renan de Souza: genética e tratamento
da esquizofrenia

“O propósito dessa área da ciência é reduzir a incidência dos efeitos colaterais decorrentes da utilização de antipsicóticos e aumentar a eficácia da resposta clínica à terapêutica”, reforça Renan de Souza.
Seu estudo é considerado inovador para os genes que correlacionou a diversos aspectos da esquizofrenia. Ele observa que, no Brasil, há apenas dois grupos de pesquisa que trabalham a questão, mas com recorte mais restrito. “Pesquisas sobre resposta clínica associada à medicação e à manifestação desses efeitos colaterais das drogas em esquizofrenia são linhas recentes, iniciadas em 95”, diz. As investigações têm razão de ser: as medicações existentes produzem reações tão severas que muitos pacientes desistem de utilizá-las.

Sintetizadas a partir da década de 1950, as primeiras drogas, então conhecidas como psicotrópicos, têm o haloperidol como princípio ativo. A substância age no sistema nervoso central, modulando a dopamina, neurotransmissor que, entre outras funções, atua no controle da regulação motora. Como “bloqueia” o sistema dopaminético, seu uso prolongado, após cinco a dez anos, pode produzir efeitos irreversíveis nos movimentos orofaciais e dos membros superiores do corpo – a discenesia tardia –, como ocorre na doença de Parkinson. O problema persiste mesmo se houver descontinuação no uso do medicamento.

Denominadas de típicas no meio profissional, as drogas psicotrópicas são o primeiro tratamento disponibilizado no Brasil pelo Sistema Único de Sáude (SUS). “Para alguns pacientes, elas têm eficácia superior a drogas novas”, esclarece Renan.

Novas drogas

Desde os anos 80, uma nova geração de medicamentos já se encontra no mercado. Seu custo ainda é considerado proibitivo para cobertura do sistema público de saúde. Em contraponto às mais antigas, são conhecidas também como atípicas e usam a clozapina como princípio ativo. Elas atuam como antidepressivo ao modular preferencialmente a serotonina, aumentando seus níveis no organismo. Mas seu uso, de acordo com o pesquisador, apresenta outro efeito colateral também considerado grave do ponto de vista da adesão à terapia: o ganho de peso, que pode evoluir para diabetes, aumento de colesterol e uma série de síndromes metabólicas irreversíveis.

“Um dos últimos grandes estudos controlados em relação à resposta de pacientes aos antipsicóticos acompanhou, durante um ano e meio, 1.460 portadores de esquizofrenia”, relata Renan de Souza, ao ilustrar a dimensão do problema em todo o mundo. Realizada em 57 centros hospitalares nos Estados Unidos, o trabalho contemplou amostra de pacientes com variados graus da doença. Após o período de observação, apenas 26% deles conseguiram finalizar o estudo. “Isso significa que 74% apresentaram efeito colateral que não lhes permitia continuar a terapia ou não obtiveram resposta clínica satisfatória, mesmo depois de usar três substâncias diferentes”, sintetiza o pesquisador.

Em sua tese de doutorado, ele decidiu avaliar o componente genético para dois efeitos colaterais induzidos pelos antipsicóticos: a discenesia tardia e o ganho de peso. A hipótese do estudo se confirmou para variantes do gene NALCN. “Pacientes portadores de variantes nesse gene apresentavam chances de manifestar esses dois efeitos colaterais”, destaca Renan de Souza.

Além desse “achado”, o pesquisador obteve confirmação na associação entre ocorrência da doença e variantes dos genes GFR-ALFA e NALCN. O estudo também apontou que as variantes GFR-ALFA2 e GSK-3BETA encontram-se relacionadas à resposta ao tratamento. “Pacientes que apresentavam variantes dentro desses dois genes tinham maior chance de responder à medicação”, diz o investigador.

Ele ressalta que, apesar dos resultados positivos, os estudos necessitam ser replicados em amostras maiores e diferentes da população para ter aplicação clínica. Sua intenção é prosseguir a pesquisa com amostras brasileiras.

Tese: Farmacogenética da esquizofrenia
Autor: Renan Pedra de Souza
Defesa: 01/09/2008
Orientador: Marco Aurélio Romano Silva
(Departamento de Saúde Mental,
da Faculdade de Medicina)
Programa: Pós-Graduação do Departamento
de Farmacologia, Bioquímica e Molecular do ICB
Bolsa: CNPq