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Nº 1628 - Ano 35
06.10.2008

A energia que vem do esterco

Juliana Paiva
Fernando Colen
Fernando Colen: uso de energia de biodigestor reduz conta de luz em até 40%

ICA prepara criação de laboratório de biodigestão para explorar potencial energético de detritos de suínos

Manoella Oliveira

O maior beneficiado é o meio ambiente, mas os produtores rurais também podem comemorar. São eles o alvo de estudo de tecnologia voltada para a produção de energia alternativa a partir de resíduos da atividade agropecuária. O projeto, submetido à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), materializa a possibilidade de manejo sustentável e economia na conta de luz.

A intenção é criar no Instituto de Ciências Agrárias (ICA), no campus de Montes Claros, o Laboratório de Biodigestão Anaeróbia, estrutura a ser equipada por biodigestores – recipientes onde ocorrem reações de fermentação entre material orgânico e bactérias que vivem na ausência de oxigênio –, resultando na produção de gás que pode alimentar fogões, lâmpadas, geradores de energia, geladeiras, aquecedores e chuveiros, além de gerar uma espécie de biofertilizante.

De acordo com o coordenador do projeto, professor Fernando Colen, do Departamento de Zootecnia do ICA, a opção por energia originária de um biodigestor proporciona redução entre 30% e 40% na despesa relativa à energia de uma casa de quatro moradores. “A substituição de energia elétrica pela gerada por um biodigestor tem impacto sobre o próprio orçamento da família. O valor economizado, que antes era usado para pagar uma concessionária de energia, pode ser direcionado para outras necessidades”, aponta o professor.

Potencial energético

O sistema idealizado pelo professor Fernando Colen tem grande potencial energético. Cem quilos de esterco de suínos geram 35 metros cúbicos de biogás por dia, dos quais 65% são metano, gás que será efetivamente queimado e que equivale a 8,5 quilos de Gás Liquefeito de Petróleo (GLP). Isso representa um volume capaz de ocupar, por dia, dois terços de um botijão de gás de 13 quilogramas. A produção supera a quantidade necessária ao uso doméstico e traz grande vantagem para a natureza, já que o metano é o segundo gás que mais agride a camada de ozônio, agravando o efeito estufa.

É justamente com dejetos de suínos que o projeto pretende iniciar. A idéia é construir e implantar as instalações no primeiro semestre do próximo ano para tratar dos detritos gerados na granja de porcos da Fazenda Experimental do Instituto, animais muito mais poluidores se comparados às aves e aos bovinos. Os biodigestores devem entrar em funcionamento na segunda metade de 2009.

“Lançar esse material no ambiente traz vários danos. Pode, por exemplo, contaminar o lençol freático e causar eutrofização. Trata-se do crescimento desordenado de algas, que dificultam a entrada de luz na água e diminuem a quantidade de oxigênio. Uma das conseqüências é a morte de peixes”, aponta Colen.

Fertilizantes

Outra vantagem da utilização dessa fonte alternativa é a produção de biofertilizantes, produtos inodoros e ricos em nutrientes para plantas que podem ser aplicados por meio de um distribuidor de esterco líquido ou “irrigado”. É com eles que se inicia outra parte do projeto a partir de meados deste mês. Os biofertilizantes servirão como adubo para plantas medicinais.

Outra faceta da pesquisa está vinculada ao balanço energético na produção leiteira, que tem se mostrado insustentável por consumir mais energia do que produz.

Segundo Colen, isso é facilmente confirmado se observadas as quilocalorias de uma caixa de leite e dimensionado o esforço para produzi-la. Outra verificação feita pela pesquisa diz respeito ao gasto de energia efetuado pelos métodos tradicionais de produção comparado ao dispêndio trazido pelo processo alternativo, cujos resultados vêm sendo difundidos desde 2006, quando a equipe de Colen, composta por estudantes de mestrado, de graduação e pelos professores do Departamento de Zootecnia Ernane Ronie Martins e Luiz Arnaldo Fernandes, começou a divulgar os benefícios dos biodigestores em assentamentos rurais, em parceria com outros docentes da Universidade, de áreas como sociologia, solos e gestão de águas. Destaca-se a associação com o projeto Sol Nascente, coordenado pelo professor do ICA Alex Fabiani Torres, de apoio ao desenvolvimento sustentável nas áreas de reforma agrária da região Norte do estado.

“Estamos nos empenhando em divulgar esse mecanismo de fácil implantação e trabalhando para sensibilizar as autoridades para incluí-lo como linha de financiamento de bancos”, afirma o pesquisador. Ele define como um contra-senso o fato de essas práticas serem difundidas em empresas de São Paulo, estado em que as condições climáticas são adversas na comparação com o Norte de Minas. Na região de Montes Claros, os produtores não adotam a tecnologia de forma tão intensiva apesar de registrar temperaturas mais quentes e estáveis, condições que favorecem a reprodução das bactérias anaeróbias.

Pesquisa: Demonstração e divulgação da tecnologia de biodigestores anaeróbios como fonte alternativa de energia e produção de biofertilizantes para agriculturas familiares do semi-árido mineiro
Unidade: Instituto de Ciências Agrárias (ICA), de Montes Claros
Coordenador: Fernando Colen