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Nº 1631 - Ano 35
27.10.2008

opiniao

Desenvolvimento, ciência e tecnologia*

Jorge Werthein**

A utilização da ciência e da tecnologia na produção de bens e serviços é indispensável para o crescimento e para a consolidação de uma sociedade. A afirmação parece óbvia, mas sabemos que a maior tragédia do óbvio é não ser percebido. O mundo mudou muito ao longo das últimas décadas. As fronteiras estão desaparecendo, os muros, caindo e a integração é feita a passos largos com base na ciência e na tecnologia.
Existem bons exemplos de sucesso na pesquisa. O cerrado, por exemplo, que constitui mais de 30% do território brasileiro, era considerado uma terra pouco produtiva. Pesquisas elaboradas pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) desenvolveram sementes e técnicas de plantio para serem utilizadas nessa região. O resultado é o crescimento da área plantada de milho e soja, que produz impacto positivo nos resultados do comércio exterior do país.

Pesquisa produz resultados positivos, mas são necessários investimento, tecnologia e recursos. Para ter papel ativo no mundo atual é preciso que haja produção de conhecimento na região. Para haver verdadeiro domínio sobre destinos nacionais é necessário potencializar o desenvolvimento econômico e social por meio de políticas de incentivo ao crescimento científico e tecnológico com o intuito de gerar conhecimento. O atual cenário tecnológico na América Latina mostra as diversas faces da nossa realidade. Enquanto, de um lado, há grandes avanços, de outro, é possível verificar enormes desigualdades e exclusão, em que a distância entre os que dominam as novas tecnologias e os que mal a conhecem não parece estar diminuindo.

Embora tenham apresentado avanços, os países da América Latina não acompanham o crescimento da pesquisa científica em outras regiões do planeta. Os investimentos e as fontes de financiamento para pesquisa e desenvolvimento são ainda muito tímidos, aquém do necessário para competir no mercado mundial. Prova disso está nos números: os investimentos dos Estados Unidos e do Canadá em ciências equivalem a 40,1% do total; a Europa segue com 29,4% e a Ásia, com 27%. Já a Oceania, a América Latina e o Caribe são responsáveis por apenas 1,6% dos investimentos na área de ciências, perdendo apenas para o continente africano.

Em relação à educação, a América Latina também está abaixo de outras regiões. Não é surpresa a informação de que, nos últimos dez anos, menos de 1% dos estudantes no Brasil se formou em cursos superiores tecnológicos, realidade muito similar à de outros países da região. Enquanto isso, nos países desenvolvidos, o índice chega a 29%.

A noção de que o desenvolvimento científico e tecnológico é essencial ainda é escassa. Muitos ainda concebem esses avanços como questões meramente técnicas, que não dizem nada à maioria da população. Cada passo dado na direção do conhecimento, contudo, altera procedimentos, proporciona mais eficiência e gera ganhos para toda a sociedade. É preciso esclarecer a população sobre o que está acontecendo no cenário mundial e fazer com que a ciência e a tecnologia passem a fazer parte da preocupação cotidiana das pessoas. Pesquisa não é mais algo que interessa a um pequeno grupo. É necessário criar meios para popularizar a ciência, que pode ser desenvolvida de diversas formas.

Muitas ações já foram e estão sendo desenvolvidas, mas ainda precisam de maior apoio e contribuições. Olimpíadas de Matemática e revistas científicas para crianças e jovens, assim como exposições sobre fenômenos científicos, são exemplos clássicos. Essas atividades, importantes, são insuficientes para atingir o objetivo maior se não houver verdadeira mudança no sistema valorativo em relação à ciência. Isso só pode acontecer na escola, desde o ensino fundamental. É essencial que esse processo se inicie cedo, na infância, quando a criança está começando a construir sua realidade. Nesse sentido, é grande a tarefa do ensino fundamental para proporcionar essa oportunidade aos alunos. O ensino da ciência não pode ficar somente em sala de aula nem atrelado a estudos teóricos. Deve estar vinculado à prática.

A criação de atividades voltadas para a sociedade em geral, capazes de materializar a ciência e a tecnologia em ações práticas, educativas e divertidas, ajuda na familiarização de conceitos básicos que não têm visibilidade nas sociedades latino-americanas. A educação de qualidade é uma tarefa de todos, para todos e a ser desenvolvida com todos. E preciso estar inserida em clara estratégia de desenvolvimento, como o fizeram, no século 19, Argentina, Uruguai e Costa Rica, entre outros países, e, na história recente, Cuba, Irlanda, Espanha e Coréia do Sul.

Agora, no início do século 21, a América Latina está na posição de perceber o que se passa no mundo desenvolvido. É tempo de correr para reduzir a distância que separa os desenvolvidos dos em desenvolvimento. O caminho mais curto está na educação. O desenvolvimento científico-tecnológico não é privilégio apenas dos chamados países centrais. Diante de um cenário mundial de crise, de renovação e de revolução nas comunicações, os países da América Latina podem ser protagonistas importantes na luta pela produção de avanços científicos e tecnológicos.

Os governos da região não podem se resignar a olhar, pela janela de oportunidades, o futuro se tornar mais e mais distante até se transformar em expectativa inalcançável. É preciso mudar logo, já, agora.

*Artigo publicado no jornal O Estado de São Paulo, em 13 de outubro

** Diretor-executivo da Rede de Informação Tecnológica Latino-Americana (Ritla)

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