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Nº 1645 - Ano 35
23.3.2009

opiniao

S.O.S. Educação

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

“Estudar pra quê?”;“Por que devo ir à escola?”; “Aonde chegarei com os conhecimentos que me são legados por meio da educação?”; “Diante de todo o esforço realizado ao longo de vários anos, que resultado isso terá para minha vida futura?”. É muito provável que essas dúvidas surjam em associação com o próprio descrédito que a instituição escolar passa a inspirar nos estudantes em virtude de seu imobilismo, falta de criatividade, desconexão com os acontecimentos do mundo e ausência de vigor e de maior interesse pela vida.

Penso, portanto, que essas questões levantadas por estudantes são de inestimável valor. Influenciados pelos pais, professores e demais “formadores de opinião”, creio que grande parte dos alunos se enveredaria a justificar seus estudos e sua frequência à escola mais ou menos por esse caminho: “Estudo para reunir no futuro condições de ter uma profissão e de me destacar dentro do ramo de trabalho que escolher ou no qual for contratado”. O caráter utilitarista da resposta indica uma tendência associada à própria lógica e dinâmica do mundo em que vivemos e do sistema socioeconômico dominante, o capitalismo. Longe de mim utilizar o espaço para analisar as estruturas desse modo de produção. O que vale é a constatação de como há uma verdadeira camisa-de-força que nos indica os caminhos das escolhas profissionais desde a mais tenra idade.

Conheço casos de pais que, desde as séries iniciais do ensino fundamental, escolhem as escolas de seus filhos pensando na aprovação nos vestibulares das melhores universidades brasileiras para os cursos mais disputados, como medicina, direito, engenharia, administração. Não há nenhuma preocupação com a felicidade e a formação integral desses estudantes. E o que quero dizer com isso? Que carecemos de maior atenção aos aspectos humanizadores, aqueles que assentarão nossas relações com as outras pessoas e que, também, nos darão sustentação emocional e intelectual para compreender o mundo em que estamos inseridos.

Afinal de contas, de que adianta formar médicos, advogados ou engenheiros que conhecem muito de suas áreas de trabalho e que tecnicamente são impecáveis, se esses profissionais não são capazes de comunicar-se, interagir, respeitar e legar ao próximo (e a si mesmos) o valor, a dignidade, a simpatia e a felicidade? De que adianta a vida sem sensibilidade? Onde reside a felicidade, se ela não está nas relações que estabelecemos com o mundo e com as pessoas? Não adianta apenas o domínio da técnica, se não falamos ao coração, se não atingimos a alma.

O que se vê é um distanciamento entre a sala de aula e as ruas, a vida, as pessoas, os acontecimentos do dia-a-dia. Matemática que ensina tendo por base os mercados em que as famílias fazem suas compras; história ensinada nas praças públicas, no contato com as pessoas de mais idade, no exame do nome dado a ruas; português aprendido com o auxílio da música, do teatro e de jornais diários; geografia entendida pelo passeio e observação dos processos produtivos e das características naturais de um ambiente a partir de visitações. Em suma, a escola precisa do mundo para se mostrar viva, atraente, envolvente e significativa para os estudantes. Tornar a escola um espaço em que há preocupação demasiada com a formação profissional, o mercado de trabalho, o conforto futuro que todos desejam e a possibilidade de ter uma conta bancária polpuda não pode nunca ser o principal objetivo da sociedade e da educação. E, em muitos casos, é isso exatamente que está acontecendo.

Renato Russo, compositor e vocalista da Legião Urbana, já denunciava esse tenebroso estado de coisas, na sua canção Química (1987). Naquela oportunidade, o poeta-músico contestava uma linha de ensino alheia à “educação sexual”, à performance corporal, à troca de afetos, em suma, contrária à intimidade tão cara às relações interpessoais. Alertava, na música, que “passar no vestibular” estava longe de ser uma atitude revolucionária, sendo, portanto, artificial (por isso, diga-se, o fato de o eu-poético da canção odiar química). Tal rito de passagem configurou-se como conservador, enfadonho, alienante, haja vista seu compromisso demasiadamente atrelado ao projeto hegemônico de conquista de valores padronizados, a saber pela citada música: “ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão/Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão/Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão/Você tem que passar no vestibular”. Trata-se, portanto, de uma enorme irresponsabilidade de todos os artífices e cúmplices de tais acontecimentos. A escola deve emancipar. A educação deve dar asas. Pés no chão, nós já os temos.

Pais, educadores e estudantes precisam aprender que mais vale o atrito da convivência do que o contrato da conveniência. Eis o propósito de uma pedagogia da libertação, incentivadora da plena autonomia. Nas salas de aula, a ética, o respeito, a civilidade precisam permear todas as áreas do conhecimento. Ciência com consciência e apurado exercício de observação do cotidiano. Sabedoria com imaginação à base de experimentação ousada e saborosa do inusitado. Para superarmos o “vácuo educacional” que nos assola, devemos considerar que aprender é colocar a racionalidade lúcida dos ensinamentos a serviço da afetividade lúdica dos encantamentos. Um ser humano íntegro, seguro, confiante e feliz deve ser o objetivo maior de todo e qualquer processo de realização educacional.

* Jornalista. Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG. Professor do curso de Comunicação e Marketing da Faculdade Promove de Sete Lagoas (MG)

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