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Nº 1645 - Ano 35
23.3.2009

Na cromatografia gasosa monodimensional, uma amostra em solução líquida é inserida em aparelho que torna a solução gasosa. Ao passar por uma coluna, os compostos da mistura são separados e, em seguida, detectados e quantificados em um espectrômetro de massas. Já a cromatografia bidimensional abrangente usa duas colunas em sequência, permitindo a separação e observação, com alto grau de resolução e sensibilidade, de compostos que passam despercebidos pela cromatografia convencional.

Branquinha em minúcias

Pesquisadores do Departamento de Química usam nova técnica cromatográfica para identificar componentes presentes na cachaça

Luiza Lages

Técnica usada para análise de compostos voláteis, a cromatografia bidimensional abrangente foi empregada pela primeira vez por um grupo de pesquisadores da UFMG para estudar componentes – incluindo substâncias nocivas ao organismo – de cachaças produzidas no Brasil. O estudo foi desenvolvido pelos pesquisadores Zenilda Cardeal, professora do Departamento de Química do ICEx, e Patterson de Souza, recém-doutor pela UFMG, com a colaboração de Rodinei Augusti, também do Departamento de Química. Eles contaram com a parceria de Philip Marriott e Paul Morrison, do Royal Melbourne Institute of Technology (RMIT), da Austrália. Lá, a pesquisa, que relacionou 50 amostras da bebida brasileira, foi publicada no final de 2008 no Journal of Chromatography A.

A cachaça é a terceira bebida alcoólica mais produzida no mundo e vem ganhando prestígio e admiradores. Mas há fatores que ainda limitam a sua exportação, como a presença de substâncias que comprometem a qualidade e causam danos à saúde. É o caso dos ftalatos, componentes tóxicos que provocam problemas nos rins e fígado e danos ao feto. Embora não tenha sido alvo da pesquisa, esta é uma das substâncias que podem ser detectadas com o uso da técnica. “De um lado, ela permite identificar compostos nocivos presentes em proporções bem reduzidas no material analisado; por outro, serve para determinar o que distingue uma cachaça de outra: o tipo de madeira usado, o tempo de envelhecimento, as características da destilação”, exemplifica Zenilda Cardeal.

  Filipe Chaves
cachaças

Menos de um 1% da produção nacional é exportada

Apesar de terem crescido nos últimos anos, as exportações brasileiras de aguardente ainda estão bem aquém da capacidade produtiva nacional. Segundo o Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), o Brasil exportou, em 2007 (último dado disponível), 9,05 milhões de litros, totalizando receita de US$ 13,83 milhões. A capacidade instalada dos alambiques brasileiros chega a 1,2 bilhão de litros de aguardente. São mais de 40 mil produtores ou quatro mil marcas. Mas a base exportadora é formada por apenas 140 empresas.

O diferencial desse trabalho é o emprego de versão avançada da cromatrografia gasosa, a cromatografia bidimensional abrangente, ou simplesmente GCxGC. “Enquanto outros processos de cromatografia comum identificam, no máximo, 30 componentes do aroma, com a técnica GCxGC é possível detectar centenas”, informa Patterson de Souza.

Ele e Zenilda Cardeal selecionaram 100 compostos presentes nas amostras de cachaça para fazer a análise de dados. Ela funciona como uma degustação mais apurada, apontando qualidades e defeitos da bebida. “Com essa técnica conseguimos ter uma ideia da origem dos compostos e associar a informação com a qualidade do produto”, afirma Patterson. Além de detectar os componentes, os pesquisadores também analisam características do sabor e do aroma relacionadas a cada etapa de produção da aguardente.

De acordo com Patterson, a escolha da cachaça para o estudo se deve à valorização dos aspectos artesanais envolvidos em sua fabricação, o que leva os produtores a desconhecerem aspectos químicos do processo. “Nossa intenção é gerar informações úteis. Os estudos mostram como determinada alteração no processo de fabricação pode gerar um efeito benéfico para o produto”, explica o pesquisador, que já trabalha em parceria com produtores na aplicação da técnica.

No ano passado, logo que Patterson retornou da Austrália, um fabricante do município de Salinas, no Vale do Jequitinhonha, principal centro produtor de aguardente no país, procurou o pesquisador para saber qual seria o efeito provocado pela incorporação de uma resina de troca iônica à bebida. “Ele queria saber se era interessante ou não usar a resina, e como usá-la, porque muitos alambiques de Minas a utilizam, só que um deles usa a resina e depois passa a cachaça pelo filtro de carvão”, relata Patterson. A investigação analisou três amostras da cachaça: antes dela chegar à resina; depois do uso da resina e antes de passar pelo filtro; e depois do filtro. “O resultado mostrou que a resina agrega uma substância à cachaça que não é benéfica, mas que, em certo momento, o filtro de carvão consegue retirá-la”, conta Patterson, consultor científico da Associação Mineira de Produtores de Cachaça de Qualidade (Ampaq) e associado à Federação Nacional das Associações dos Produtores de Cachaça de Alambique (Fenaca).

Filipe Chaves
Patterson e Zenilda
Patterson e Zenilda: qualidade e segurança para a cachaça brasileira

Cromatografia avançada

Zenilda Cardeal, Patterson de Souza e a professora da Faculdade de Farmácia Leiliane Coelho André Amorim integram a equipe do Centro Mineiro de Cromatografia Avançada. “O objetivo do Centro é institucionalizar o trabalho que desenvolvemos juntos”, conta Patterson. Os dois primeiros pesquisadores estudaram na RMIT University, da Austrália, onde funciona o principal núcleo de Cromatografia Multidimensional do mundo. Já a pesquisadora Leiliane realizou suas pesquisas em Atlanta, nos Estados Unidos.

Apesar de dominar a técnica, a UFMG dispõe apenas do software que faz a análise de dados gerados pelo processo. “Os equipamentos necessários existem apenas no Rio Grande do Sul e no Rio de Janeiro”, afirma Zenilda Cardeal. Segundo ela, o objetivo do grupo é montar na UFMG toda a infraestrutura necessária aos testes. “Queremos fazer aqui o que hoje somos obrigados a executar lá fora”, diz a professora.

Na tentativa de captar recursos para a compra do sistema de cromatografia, o grupo apresentou, no ano passado, um projeto de US$ 220 mil à Petrobras. Mas, em função da crise econômica, a empresa não liberou o financiamento. Outra fonte de recursos são os dois projetos aprovados pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) e pelo CNPq, que somam R$ 400 mil. Nesse caso, a equipe da professora Zenilda enfrenta outro obstáculo: a princípio, o dinheiro não pode ser usado exclusivamente para a compra de equipamentos, que é o desejo do grupo.