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Nº 1645 - Ano 35
23.3.2009

De Vieira aos Titãs

Maria Bethânia abre Sentimentos do Mundo em 2009 com leitura de autores que influenciaram a sua carreira artística

Itamar Rigueira Jr. e Luiza Lages

Foca Lisboa
Vasco
Maria Bethânia: mescla de leitura e interpretação musical

Pelo menos 700 pessoas se reuniram no auditório, saguão e mezanino da Reitoria da UFMG para acompanhar, no dia 17 de março, a apresentação da cantora Maria Bethânia no programa Sentimentos do Mundo. Durante cerca de 50 minutos, ela recitou textos de Antonio Vieira, Fernando Pessoa, Cecília Meireles, Caetano Veloso, Titãs, entre outros autores, e cantou a capella trechos de canções brasileiras e portuguesas.

O espetáculo marcou a retomada do ciclo em 2009. Desde 2007, o projeto trouxe à UFMG nomes como o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, o cineasta David Lynch e a ambientalista Danielle Mitterrand. Antes de começar a leitura, Bethânia elogiou a iniciativa de “trazer expressões artísticas para uma casa de ensino” e defendeu a “educação plena”. “Acho que estou aqui porque ouso me expressar com a palavra falada, sempre gostei de emprestar vida e voz aos personagens que os autores revelam”, ela disse.

Maria Bethânia foi apresentada pela professora da Faculdade Letras Lucia Castelo Branco. Com um texto poético, ela lembrou seu primeiro contato com a literatura, ouvindo Clarice Lispector na voz de Bethânia, a participação da cantora no DVD Língua de brincar, que ela produziu sobre o poeta Manoel de Barros, e a admiração que a escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol – morta no ano passado – tinha pela cantora baiana. “Maria Gabriela nunca se encontrou com Bethânia, mas creio que o desejou profundamente”, disse Lucia Castelo Branco, que prepara um DVD sobre a faceta “cantora de leitura” de Maria Bethânia.

Assovio

A artista disse que escolheu textos com os quais tinha intimidade. E começou com Titãs (“a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”) e Fernando Pessoa (poema O rio da minha aldeia). Cantarolou Marinheiro só, gravada pelo irmão Caetano Velloso, e convidou a plateia a acompanhá-la quando entoou Calix bento (adaptada do folclore por Tavinho Moura e consagrada na voz de Milton Nascimento).

Com o conhecido domínio de palco e a desenvoltura de quem sempre recita textos em seus espetáculos – desde sua famosa estreia no show Opinião, em 1965, como ela própria lembrou –, Bethânia se soltou ainda mais depois de alguns minutos e reagiu com bom humor quando ouviu um assovio do público. “Pensei que em leitura de texto não tinha isso, faça isso também no meu show”, ela disse.

Ao ler trechos do Sermão de Santo Antônio, do Padre Antônio Vieira, Bethânia citou o local em que ele foi lido – São Luís do Maranhão – e enfatizou a data – 1654 –, chamando a atenção para a atualidade do texto. “O saber e o poder incham os homens”, escreveu Vieira. Bethânia recitou ainda, entre outros, Cecília Meireles, Guimarães Rosa e voltou a Caetano Velloso, com um extrato da letra de Língua (“Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões”). Para terminar, certamente não por acaso, ela escolheu Clarice Lispector: “Simplesmente eu sou eu. E você é você. É vasto, vai durar. Por enquanto tu olhas para mim e me amas. Não: tu olhas para ti e te amas. É o que está certo.”
Os aplausos a Maria Bethânia duraram cerca de cinco minutos. Antes de se despedir do público e deixar o palco, a artista recebeu do reitor Ronaldo Pena uma placa de agradecimento, com versos do escritor Emílio Moura, ex-aluno e ex-professor da UFMG.

Reverência

Depois da apresentação, Maria Bethânia conversou com jornalistas sobre a apresentação no auditório da Reitoria da UFMG e revelou-se surpresa com a recepção. “Foi um acontecimento diferente, um ambiente muito respeitoso, reverente”. Simpática, a cantora tirou fotos com a plateia, majoritariamente jovem, e distribuiu autógrafos. Ela contou que, durante o processo de escolha dos textos, pensava exatamente nos alunos, imaginando como poderia dizer em 50 minutos o que pensa. “Foi trabalhoso, mas gostei do esforço, porque tive a chance de refletir sobre coisas nas quais normalmente não prestamos atenção”, revelou.

Sobre a mescla de leitura e música que marcou sua performance, Maria Bethânia comentou: “Às vezes eu faço shows só cantando. Às vezes eu leio. Dá para separar a literatura da música. Mas eu gosto é de ser intérprete, de misturar”.