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Nº 1653 - Ano 35
18.5.2009

opiniao

Eu também sou gay

Denise Moraes Pimenta *

A ideia deste texto era começar com o título: “Eu também já fui gay”. O que daria margem para questões do tipo: a homossexualidade é reversível, a homossexualidade é homossexualismo. Ou seja, tem cura, vai passar. Então, retiro – antes de dizer – o que pensei. Coloco agora a verdadeira e única frase possível: Eu também sou gay. Eu também gosto de mulheres, “vou te contar o que me faz andar, se não é por mulher não saio nem do lugar. Eu já não tento nem disfarçar... eu tenho amigo homem, eu tenho amigo gay, mas eu gosto é de mulher” (música do Ultraje a Rigor).

Como diria Adélia Prado, eu não sou feia que não possa casar, mas casar com homem ou mulher, mulher ou homem. Casar para amar, casar para beijar, casar com uma mulher bem linda, com um vestido de renda numa tarde fria, casar com um homem bacana de paletó e tênis. Casar, casar, casar... Casar de papel passado com a mulher da minha vida! Casar significa unir os pares, emparelhar, ligar, aliar, aliançar. Amar significa ter amor a alguém. E é isso que eu quero, seja com mulher ou com homem, seja com homem ou com mulher.

Bem, eu faço Sociologia e poderia discutir a homossexualidade a partir da ótica da instituição do casamento, mostrando que não é natural casar homem e mulher. Falar mais profundamente da questão de gênero e dizer tudo aquilo que tanta gente fala e escreve muito melhor do que eu, mas eu quero falar é de amor, de beijar e de casar – com a mulher dos meus sonhos ou com “o cara”. E não é pelas poucas linhas que vou falar de amor, não é pelo fato de precisar de mais espaço para falar de questões sociológicas propriamente ditas. Eu quero falar de amor, que é mais complexo que tais questões.

Sabe aquele discurso dos “falsos entendedores”: “eu entendo o gay, não se escolhe a quem se ama”. Vírgula, se escolhe, sim: educada ou baixa, gordinho ou ruiva, alto ou magra, falante ou calada, vesga ou careca, sutil ou agressiva. Escolhe-se amar uma linda e doce mulher porque nos faz bem, escolhe-se apaixonar-se por um gentil e divertido rapaz. Porque, mesmo diante de tudo e de nada, eu escolhi amar uma mulher quando amei e escolhi amar um homem quando amei. Eu escolho, sim, amar uma mulher e, por isso, não sou doente, sou feliz, alegre.

Quanta injustiça há em não permitir e ofender o encontro alheio, o encontro que é único no momento de sê-lo, no momento em que acontece. Assombrosa e monstruosa a doença de não se imaginar diferente, de não experimentar, de não se deixar ser levado pelo outro, que não sou eu mesmo

Eu sempre adorei ver casais apaixonados, homem beijando homem, mulher beijando mulher, travesti beijando mulher, homem beijando travesti, mulher beijando homem etc. Ah, os amantes... Os amantes têm o fulgor da juventude, mesmo quando já são velhos, os amantes são mesmo apaixonantes. E as mãos dadas... Como pode alguém se incomodar com o amor, o prazer do outro? Como pode – ao invés de entrar em estado de êxtase com a visão dos amantes – se incomodar com a forma dos pares, se são homens ou mulheres? Eu não sei... aliás, sei sim, toda uma discussão sociológica... Mas, não, mesmo assim, eu não sei... Pois quando vejo os amantes não consigo ver mais nada além de dois corpos que se encaixam, dois corpos masculinos que sentem prazer, dois corpos femininos que se acariciam, dois corpos que se encontraram, pois como diz Vinícius de Morais, “a vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”. E estes encontros são plurais, festivos, explosivos, cheios de êxtase e paixão.

Assusta-me aquele que se incomoda com as possibilidades dos encontros de outrem, que não sabe o que é poder ser mulher e homem ao mesmo tempo, amar mulher e homem ao mesmo tempo. Quanta injustiça há em não permitir e ofender o encontro alheio, o encontro que é único no momento de sê-lo, no momento em que acontece. Assombrosa e monstruosa a doença de não se imaginar diferente, de não experimentar, de não se deixar ser levado pelo outro, que não sou eu mesmo.
Eu não vim aqui para falar de homofobia, eu vim correndo falar de homofilia, de amor aos meus amigos gays, de amor aos meus amigos “hetero”, de amor entre eles e de repressão à falta de amor e à falta de cuidado com o amor dos outros. Eu não vim falar de preconceito, eu vim falar de falta de conceito. Eu não vim falar dos agressores, eu vim falar dos agregadores. Eu vim falar de sexo, prosa, amor, poesia. Eu não vim falar de quem machuca, eu vim falar de quem caduca de paixão. Eu vim ver, ouvir e falar com os enamorados, com os apaixonados. Não se pode privar alguém de amar, ou mesmo dizer com qual sexo eu ou você deve ficar ou beijar. Isso é cela, isso é vigiar, isso é punir, isso não é nem as palavras e nem as coisas.

Estranho pensar que ainda ficamos aqui a discutir, e pior, a violentar o prazer, o amor, o desejo de casar, o beijo. Então, eu aconselho: que cada homem pegue seu homem e cada mulher pegue sua mulher e cada mulher pegue seu homem, e vice-versa, e se beijem, se casem, se amem, tenham prazer, aliás, morram de tanto prazer. E sejam jovens, a juventude do amor: “vem, senta aqui ao meu lado e deixa o mundo girar, jamais seremos tão jovens...” (Shakespeare).

* Aluna de Ciências Sociais da Fafich

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