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Nº 1653 - Ano 35
18.5.2009

Janela de oportunidade

Com a gripe suína, Brasil tem chance de acelerar esforços
para alcançar a independência tecnológica na produção de vacinas, avalia pesquisador

Ana Maria Vieira

A circulação de novo vírus da gripe suína (H1N1) entre os países, à semelhança de outras pandemias, tem deixado exposta, dia após dia, série de desafios para os sistemas nacionais de controle epidemiológico e de saúde. Um aspecto, entretanto, ainda encontra-se pouco difundido publicamente: o esforço das comunidades científicas em buscar soluções baseadas em inovações tecnológicas e melhorar a infraestrutura de pesquisa para o enfrentamento do problema. Exemplo desse movimento pôde ser verificado recentemente em interesse manifestado pelo Ministério da Saúde em conhecer projetos desenvolvidos pelo Centro de Pesquisas René Rachou, da Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a UFMG, para produção de vacina bivalente contra influenza a partir de técnicas de biologia molecular.

Conhecida como genética reversa, a tecnologia é bastante recente – foi criada em 1999 e já gerou vacina contra a gripe aviária, em estágio de testes em humanos. Ela permite que o genoma do vírus Influenza seja modificado, perdendo os seus determinantes de virulência, e posteriormente recriado em laboratório para uso em vacinas. “Apesar da redução da patogenicidade, esse novo organismo é capaz de induzir resposta imune e proteger o hospedeiro frente a desafios impostos por vírus selvagens”, explica o virologista Alexandre Vieira Machado, pesquisador da Fiocruz, responsável pela introdução da técnica no país, após finalizar doutorado no Instituto Pasteur, em Paris, em 2002.

De acordo com Alexandre, uma das maiores vantagens proporcionadas pela genética reversa consiste na rapidez em produzir os chamados protótipos ou candidatos vacinais, estratégicos em momentos de pandemias. Ele lembra que, em 2005, no auge da ocorrência da gripe aviária, a metodologia permitiu identificar um protótipo em apenas quatro semanas. “Podemos otimizar essa técnica para produzir uma vacina contra gripe suína ou contra outro vírus Influenza pandêmico ou sazonal, caso haja interesse das instituições”, afirma Machado, ao comentar a capacidade de laboratórios da UFMG e da Fiocruz em colaborar no enfrentamento da gripe suína.

“Temos projeto aprovado por agência governamental para utilização de Influenza contra gripe suína clássica, que infecta apenas o porco e se encontra em fase de teste em camundongo”, informa o pesquisador. O trabalho integra as investigações do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Vacinas, coordenado pelo professor Ricardo Gazzinelli, do ICB. O foco do grupo é desenvolver vacinas para doenças emergentes e negligenciadas, como malária, Doença de Chagas, toxoplasmose e leishmaniose.

Alerta

“A gripe suína demanda um produto de saúde pública de interesse mundial e sua ocorrência é um alerta para o mundo”, avalia Alexandre Machado. A probabilidade de surgimento de vírus de maior patogenicidade constitui também uma chave extra para equacionamento futuro das ações do país na área de prevenção, segundo o pesquisador. Comparando o atual surto a outros e projetando suas consequências, ele observa que, se a gripe aviária pudesse ser identificada com a cor amarela numa imaginável escala de alerta epidemiológico, o vírus atual seria representado pelo tom laranja escuro em relação ao seu potencial pandêmico – ainda que o agente causador da gripe suína tenha se mostrado muito menos patogênico do que o da gripe aviária. “Caso haja uma pandemia no futuro com um vírus de maior letalidade, é fundamental estarmos prontos para produzir vacinas e realizar diagnósticos”, observa Alexandre.

Se as perspectivas parecem negativas, o pesquisador contrapõe, lembrando as oportunidades de independência tecnológica que se abrem para o país neste momento, especialmente no campo da biotecnologia. “A técnica da genética reversa destinada à produção de vacinas é uma ferramenta importante e deveria ser explorada também por outros grupos de pesquisa no Brasil”, afirma.

Foca Lisboa
Machado: genética reversa modifica vírus e permite geração de novas vacinas

Constelação gênica

O vírus Influenza responsável pelo atual surto de gripe é o resultado de rearranjo entre um vírus suíno da América do Norte e outro da Eurásia. “Essa constelação gênica é inédita e o vírus resultante se mostrou eficaz em infectar seres humanos”, afirma o virologista Alexandre Machado, mencionando artigo recente divulgado pela publicação científica New England Journal of Medicine.

Há três tipos de Influenza: A, B e C. “O Influenza A é classificado em diferentes subtipos, de acordo com o arranjo de suas proteínas de superfície, a hemaglutinina (H ou HA) e a neuraminidase (N ou NA)”, diz o pesquisador. Como existem 16 tipos de hemaglutinina e 9 de neuraminidase, essas proteínas se rearranjam conforme ocorra um equilíbrio em suas atividades, gerando a galeria dessa classe de Influenza, como o H1N1.

Segundo o artigo, a análise genética do novo vírus Influenza suíno H1N1 mostrou que os segmentos dos genes PB2, PB1, PA, HA, NP e NS são similares aos dos vírus da gripe suína existentes na América do Norte. Já o segmento da neuraminidase está mais relacionado aos vírus que circulam entre os suínos da Eurásia.