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Nº 1694 - Ano 36
10.5.2010


Ciência com responsabilidade social

Fernanda Cristo

Diogo Domingues
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Yuan Tseh Lee: cientista também é um cidadão

Enquanto muitos criticam a postura dos países desenvolvidos que não colaboraram para reduzir a emissão de gás carbônico na atmosfera, Yuan Tseh Lee, ganhador do prêmio Nobel de Química em 1986, acredita que o futuro do planeta está nas mãos de países emergentes como Brasil e Índia. Filho de um artista e de uma professora, ele nasceu em Taiwan e passou 32 anos nos Estados Unidos, atuando principalmente como pesquisador da Universidade de Berkeley, na Califórnia. Retornou ao seu país em 1994 e ajudou a reestruturar a Academia Sinica, que abriga 30 institutos de pesquisa, e da qual é presidente emérito. Aos 73 anos, ele defende a criação de uma “química verde” e a responsabilidade social do cientista. Em recente visita à UFMG, Lee conversou com a reportagem do BOLETIM sobre desenvolvimento científico e tecnológico e aconselhou pesquisadores brasileiros a prestarem mais atenção em problemas locais do que em rankings mundiais.

O senhor foi para os Estados Unidos em 1962 e lá construiu sólida carreira científica. O que o levou a voltar para Taiwan 32 anos depois? Como compara o ambiente de produção científica que havia em Taiwan em 1962 com aquele que encontrou em 1994?

Quando fui para os Estados Unidos, em 1962, não tinha intenção de me radicar lá. Eu só queria estudar e voltar para Taiwan.Mas fiquei 32 anos e de repente me vi com 57 anos de idade. Naquela época pensei: se eu não voltar agora para ajudar, vou ficar muito velho para isso. Em 1994, decidi voltar para Taiwan e o governo me convidou para presidir a Academia Sinica. Quando tomei essa decisão, todos os meus amigos da Universidade de Berkeley disseram que eu voltaria para os Estados Unidos em seis meses, porque em Taiwan eu não teria tantas facilidades para realizar minhas pesquisas. Mas disse a eles que provaria o contrário, que era possível fazer ciência em Taiwan, da mesma forma como era possível fazer na Califórnia. Quando voltei, estruturei algumas coisas e comecei a levar pessoas jovens para lá. Hoje posso dizer que, na minha área, Taiwan é tão desenvolvido quanto qualquer outra parte do mundo. Quando voltei, em 1994, a situação ainda não era a ideal, mas as coisas melhoraram muito. Muitos pesquisadores retornaram a Taiwan.

O senhor é presidente emérito de uma rede que congrega cerca de 30 institutos de pesquisa em várias áreas. Como essa rede está estruturada? Quem a financia? Poderia citar exemplos de contribuições que ela oferece para o progresso da ciência em seu país?

A Academia Sinica é uma organização nacional que recebe, do governo de Taiwan, cerca de 400 milhões de dólares por ano para fomentar pesquisas nas áreas de humanidades, ciências sociais, naturais, biológicas. Em comparação com outros institutos de pesquisa ou academias, a Academia Sinica está muito bem estruturada, temos bastante dinheiro. Nosso governo acredita que, ao bancar a ciência, está ajudando a economia. Nosso dilema agora é encontrar maneiras de ajudar no desenvolvimento da sociedade. Enfrentamos problemas como consumo excessivo e é isso que queremos mudar. O cientista também é um cidadão, temos responsabilidades sociais e deveríamos levá-las mais a sério. É por isso que encorajamos nossos cientistas a prestar mais atenção na sociedade e em como a ciência pode melhorá-la.

Estudo coordenado por um grupo de pesquisadores brasileiros e publicado em 2006 revela que o Brasil, no atual ritmo de produção (patentes, artigos científicos etc.), só conseguiria alcançar o status de país com sistema de inovação tecnológica plenamente desenvolvido no ano de 2144. Que lições o Brasil pode tirar do case Taiwan?

Acho que os países estão tão preocupados com índices e quantidade de publicações que acabam negligenciando o foco em problemas locais. Me lembro da primeira vez que visitei o Brasil há algumas décadas. Ouvi reclamações de que os cientistas eram educados nos Estados Unidos, e quando voltavam para o Brasil não prestavam atenção na Amazônia. As pesquisas têm diferentes níveis, algumas ajudam a resolver problemas de interesse geral, outras se concentram em problemas locais, como na agricultura ou outras áreas. Mas as soluções não vão surgir do nada, elas vêm do ambiente ao seu redor. Então sugiro que os pesquisadores brasileiros não prestem atenção nesses rankings mundiais, em que posição se encontram, mas pensem em resolver os problemas que vocês estão enfrentando. Tenho certeza de que o Brasil tem mentes brilhantes.

Taiwan é hoje é um dos mais importantes centros de inovação tecnológica entre os países emergentes, destacando-se, por exemplo, na área de informática. O que levou o país a dar esse salto de qualidade, a ponto de ter hoje um dos melhores sistemas de inovação do mundo?

Temos dois fatores. Há muito tempo, as pessoas só completavam os nove anos de ensino na escola, mas agora quase todos vão para a universidade. Hoje temos muitas universidades e elas estão bastante diversificadas. Outro fator importante é que no começo da década de 1960 tínhamos um governo muito repressor, o que forçou muitos estudantes a ir para os Estados Unidos a fim de estudar. Essas pessoas começaram a voltar na década de 1980 e estão dando enorme contribuição para o nosso desenvolvimento tecnológico.