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Nº 1708 - Ano 36
30.8.2010

opiniao

A EXTENSÃO universitária e a sociedade contemporânea

João Antonio de Paula*

Desde que surgiu, no final do século 12, início do século 13, a universidade vem se afirmando entre as mais decisivas instituições da modernidade. Seu nascimento mesmo tem expressivo significado ao representar uma ruptura com as modalidades de escolas então subordinadas ou ao rei, ou aos bispos ou aos mosteiros. Nascidas das iniciativas de professores e de alunos, as universidades desafiaram os poderes constituídos, e esse desafio se tornou ainda mais contundente na segunda metade do século 13, no contexto do confronto entre a Faculdade de Artes e a Faculdade de Teologia, da Universidade de Paris, quanto à legitimidade da liberdade de pensamento no que se refere aos condicionamentos teológicos. Em seu livro Raízes da modernidade (Edições Loyola, 2002), o padre Henrique de Lima Vaz diz ser esse um dos momentos fundantes da modernidade.

Nascida de um movimento de afirmação da centralidade de alunos e professores no processo educativo, a universidade terá no século 18, pelos influxos da Revolução Francesa, um terceiro momento decisivo representado pela imposição da dimensão republicana, laica e multifuncional da instituição. Logo em seguida, com a Universidade de Berlim, em 1810, agregou-se à vida universitária outra decisiva dimensão que é a efetiva inclusão das atividades de pesquisa como essenciais à configuração da universidade contemporânea, que para se conformar inteiramente incorporou ainda uma última dimensão, a extensão universitária.

Foi em 1871, inicialmente na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e depois em Oxford, que surgiram as primeiras ações de extensão universitária, na forma de cursos de atualização e aperfeiçoamento para trabalhadores e outros segmentos populares. Registre-se que esses cursos não buscavam suprir carências de formação profissional senão que se voltavam para temas históricos, literários, filosóficos e científicos de interesse geral. A experiência pioneira inglesa espalhou-se para o continente europeu e para os Estados Unidos, que, no início do século 20, adicionaram às atividades de extensão o “atendimento às demandas específicas do setor produtivo”, mediante exitoso programa de assistência técnica às atividades agrícolas.

No Brasil, as atividades de extensão estão inscritas entre os objetivos da universidade desde 1931, quando da primeira legislação específica para as instituições brasileiras. Trata-se, nesse sentido, de reconhecer diversas dimensões e compromissos da universidade para além da produção de conhecimento e da capacitação técnica, científica e profissional, e também que são atributos da universidade a preservação e difusão do patrimônio cultural da humanidade, de seus valores éticos fundamentais, bem como é sua também indeclinável responsabilidade contribuir para o pleno desenvolvimento social com justiça, liberdade e solidariedade.

É, sobretudo, no referente a este último compromisso que se destacam as atividades de extensão universitária. No caso da UFMG, hoje, elas englobam, além de programas, projetos, cursos e eventos voltados para a avaliação e o acompanhamento de políticas públicas e para a prestação de serviços demandados pela sociedade, ações sistemáticas nos campos da produção cultural, da divulgação científica e da preservação ambiental e busca de desenvolvimento sustentável.

A UFMG, por meio de seus espaços e equipamentos, tanto no campus da Pampulha, quanto no Conservatório e no Centro Cultural, é responsável por diversificada e qualificada programação cultural. Em sua Rede de Museus e Espaços da Ciência e Cultura, reúne em Belo Horizonte, Diamantina, Montes Claros e Tiradentes acervos artísticos, históricos, bibliográficos e museológicos que são indispensáveis para a plena realização dos seus programas de ensino e de pesquisa. Esses acervos estão abertos ao público em geral, contribuindo para o desenvolvimento tanto local, quanto regional, seja pela atração do chamado turismo cultural e ecológico, seja por seu decisivo papel na montagem de redes de instituições (bibliotecas, museus, galerias, teatros, arquivos, jardins botânicos, estações ecológicas etc.) essenciais a uma sociedade que se quer da informação e do conhecimento.

Com efeito, são as atividades chamadas de extensão que permitem a interação direta e imediata do conhecimento produzido na universidade com sua efetiva e legítima destinatária, a sociedade, à qual caberá validar, criticar, transformar o que a universidade produz, provocando modificações nas metodologias, nos currículos, nas temáticas e nos objetivos da instituição.

A extensão universitária é, enfim, um dos locus privilegiados da realização dos melhores desígnios da universidade tal como Celso Furtado (em Cultura e desenvolvimento em época de crise, Paz e Terra, 2004, 2ª edição) a caracterizou, e que queremos honrar:

“A Universidade é, certamente, uma das invenções mais maravilhosas surgidas em qualquer cultura. Ela cristaliza a percepção de que o conhecimento pode ser utilizado para iluminar, disciplinar e ampliar o poder, sendo, portanto, ela mesma, uma forma superior de poder capaz de tomar consciência de sua responsabilidade social. (...) Em realidade, é nessa combinação do trabalho produtor de conhecimento com o de transformação desse conhecimento em instrumento de ação posto a serviço da sociedade que se encontra o traço específico da instituição universitária.”

*Pró-reitor de Extensão da UFMG

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