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Nº 1715 - Ano 37
18.10.2010

In vivo e a cores

Artigo na Science, que tem professor da UFMG como um dos autores, revela, em imagens, como o corpo enxerga e reage a inflamações

Ana Maria Vieira

Foto: Foca Lisboa
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Gustavo de Menezes usou o modelo de queimadura no experimento com camundongo

A edição da última sexta-feira, 15 de outubro, da revista científica norte-americana Science circulou com imagens consideradas inéditas de etapas do movimento de neutrófilos cercando conjunto de células mortas no fígado de camundongo. As fotografias, extraídas de filmagem realizada por quatro horas ininterruptas com equipamento de alta resolução, vão além de mera ilustração: elas possibilitaram demonstrar que, na sequência de rotas tomadas pelos neutrófilos em sua missão de proteger o organismo de infecções, uma classe de molécula atua como extraordinário farol na sinalização do local exato das células necrosadas.

“Mostramos pela primeira vez in vivo que o neutrófilo reconhece e prioriza seu movimento em direção a um tipo de peptídeo, o formil peptídeo, presente em pedaços de material derramado de células mortas, provavelmente oriundo de mitocôndrias”, relata o professor Gustavo Batista de Menezes, do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, um dos autores-líderes do artigo.

Ele explica que a reação preferencial do neutrófilo é muito rápida e pode estar relacionada a um aspecto evolutivo para aumentar a eficácia da resposta imunológica: o formil peptídeo é típico de bactéria e, por esse motivo, as células de defesa estariam programadas para reconhecê-lo como sinal de perigo, inclusive durante a inflamação estéril (causada sem micro-organismos). “Elas são ávidas por esses peptídeos e negligenciam outras substâncias produzidas pelo organismo capazes de guiá-las próximo ao local inflamado”, ressalta Menezes.

O pesquisador observa que evidência sobre o papel da substância na forma como o corpo enxerga inflamações pode ser especulada via teoria simbiôntica. “Ela supõe que a mitocôndria, no passado, teria sido uma bactéria que colonizou células. Logo, quando há organela fora desse meio, o sistema imune faria, automaticamente, reconhecimento de célula morta”, esclarece.

Ainda de acordo com Menezes, o sistema de priorização por substâncias derivadas de células necróticas e peptídeos bacterianos parece ser crucial para a sobrevivência do organismo. “Na periferia das células mortas ou do sítio infectado existem outras células também inflamadas, que liberam quimiocinas, moléculas potentes que atraem os neutrófilos”, ensina. Nesse aspecto, sem hierarquização, eles parariam na região periférica à lesão, sem nunca chegar até as células mortas, pois são incapazes de dispersar quimiocinas.

O professor relembra que, tão logo uma célula morre, libera a substância ATP. É essa presença no meio externo que primeiro alerta onde está acontecendo algum problema e estimula as células vivas vizinhas a produzirem mediadores inflamatórios, além de quimiocinas. O neutrófilo, ao passar pelo vaso sanguíneo próximo à lesão, identifica a presença de quimiocinas. Quando se dirige até essa molécula, percebe que mais além há produto de necrose. “Aí ele negligencia a quimiocina e vai até a célula morta”, descreve.

“Filmamos a via completa in vivo e, como identificamos várias rotas, cada uma poderá ser alvo de um novo medicamento anti--inflamatório”, antecipa Menezes. Estudos nessa linha já estão sendo conduzidos por ele e Mauro Teixeira, professor do ICB.

Conforme salienta o pesquisador, o processo descrito no artigo não é específico para inflamações hepáticas. “O achado altera conceitos e modos de ver na biologia, pois ocorre em outros órgãos, como pele de camundongo, e em células humanas in vitro, para inflamação estéril”, especifica.

No foco

A investigação de Menezes sobre sinalização de perigo intracelular foi feita com outros colegas brasileiros e canadenses da Universidade de Calgary e gerou seis vídeos, além de 96 imagens distribuídas em 50 páginas. Para obtê-las, foi usado microscópio confocal de laser femtosegundos, cuja radiação não destrói as células.

Para o experimento com camundongo, Menezes criou o chamado “modelo de queimadura”: após o animal ser anestesiado, o fígado foi exposto cirurgicamente e um pequeno ponto do órgão sofreu queimadura, por meio de agulha.

Deitado sob as lentes do microscópio, o camundongo foi filmado. “Mantivemos o mesmo foco durante quatro horas, tempo em que, basicamente, apenas o neutrófilo trabalha na defesa, pois sente a presença de moléculas de perigo, geralmente associadas à morte celular ou bactérias”.

Para chegar até elas, onde não há vasos sanguíneos, seu meio de origem, os neutrófilos mudam o citoesqueleto e forma de se mover. “Saem dos vasos em direção às células mortas locomovendo-se como minhocas: criam aderência na ponta e soltam a parte final de sua estrutura”, diz Gustavo Menezes.

O camundongo do experimento foi modificado geneticamente para ter neutrófilos fluorescentes. O recurso permitiu a visualização dessas células. Já para as células mortas foram usados marcadores em tom vermelho. O artigo de Menezes teve por base pesquisa de pós-doutorado orientada pelos professores Paul Kubes, do Canadá, e Denise Carmona, da UFMG, e que foi tema de matéria publicada pelo BOLETIM na edição 1676, em novembro do ano passado.

Artigo: Intravascular Danger
Signals Guide Neutrophils to
Sites of Sterile Inflammation
Autores: Braedon McDonald,
Keir Pittman, Gustavo B. Menezes, Simon A. Hirota, Ingrid Slaba, Christopher C. M. Waterhouse, Paul L. Beck, Daniel A. Muruve
e Paul Kubes