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Nº 1716 - Ano 37
25.10.2010

opiniao

O professor não ensina, desperta interesse

David Pereira Neves*

Entre os dias 1 e 3 de setembro passado, o ICB comemorou 41 anos do seu programa de Pós-Graduação em Parasitologia. Entre as várias e interessantes atividades desenvolvidas, foi debatido o tema “Ensino de Parasitologia”. Após a ótima exposição dos palestrantes, eu me atrevi a dar um aparte, baseado na minha longa experiência de professor dessa disciplina e autor de livros dedicados à parasitologia médica, adotados em todas as universidades brasileiras.

Tenho consciência de que não sou especialista em ensino, mas desde 1966, quando iniciei minhas atividades didáticas, procurei estudar o assunto, tendo como objetivo despertar no estudante o interesse pela disciplina. Acredito que fazendo assim estava abrindo caminho para que os próprios alunos estudassem com gosto.

Lembro-me muito bem dos ótimos professores que tive ao longo de todo o meu período de estudante, isto é, do primário ao doutorado. Cada grande professor se destacou por uma única qualidade: foi capaz de despertar em mim o gosto e o interesse pela disciplina que lecionava. E nenhum deles usou técnicas especiais para transmitir seus ensinamentos. Em verdade, os artifícios empregados por eles eram o entusiasmo e a dedicação, olhando para cada aluno, dando a impressão de que estavam ali satisfeitos e falando diretamente para cada um de nós. Isso ocorria tanto nas aulas teóricas expositivas, como nas aulas práticas de laboratório ou de campo.

Além do evento acima e por diversas ocasiões, tenho ouvido discussões acaloradas sobre novos métodos de ensino, ou sobre os novos recursos técnicos para ministrar aulas, objetivando “prender” a atenção do aluno, independentemente do nível de estudo enfocado. O data show é um recurso extraordinário, mas...

Avaliando o que foi dito acima, percebo que existe uma enorme diferença entre um professor que sabe ensinar e aquele que apenas ministra aula. Ou seja, há um grande abismo entre um bom e um mau professor. Para mim, essa grande diferença reside no fato de que o bom professor, ao “transmitir” conhecimento, o “transforma” em sabedoria.

E o que diferencia conhecimento de sabedoria? Conhecimento é o domínio teórico ou prático de uma ciência ou técnica; sabedoria é o conhecimento adicionado de cultura ampla, entusiasmo e emoção

E o que diferencia conhecimento de sabedoria? Conhecimento é o domínio teórico ou prático de uma ciência ou técnica; sabedoria é o conhecimento adicionado de cultura ampla, entusiasmo e emoção.

Assim sendo, um professor munido apenas de conhecimento repassará corretamente suas informações, porém dificilmente despertará o interesse do aluno. Já um bom professor, apoiado em sua sabedoria, repassará suas informações, recheadas de emoção e de entusiasmo, despertando as mentes e os corações dos alunos. Não deve nem precisa mostrar sapiência, mas precisa transmitir respeito e confiança ao aluno. O bom professor consegue promover uma excelente e rica interação dos três elos da aprendizagem: professor, aluno e ambiente.

Mas o despertar de interesse não ocorrerá igual e simultaneamente para todos os alunos, pois cada um tem seu tempo e a interação dele com o professor ocorrerá em momentos diferentes da aula. Assim, quando a atitude do professor se encontrar com o despertar do interesse do aluno, o talento deste desabrochará. Esse é um momento espetacular, pois a sala de aula se transforma em um palco onde os atores – professor e alunos – mostrarão o brilho nos olhos da grandeza humana.

O bom professor, possuidor de sabedoria, é facilmente reconhecido pelos próprios alunos, pois seu talento e o dom de ensinar estão estampados em seu rosto. E como se conhece o talento de um bom professor? Para responder a essa pergunta, gostaria de usar falas de Einstein e Victor Hugo.

Segundo Einstein, um grande professor discorre sobre as teorias mais complexas da forma mais simples. Ou seja, Einstein seria capaz de explicar a teoria da relatividade para uma criança e ela entenderia e se sentiria muito feliz com isso. Já a Victor Hugo é atribuída uma história muito apropriada para nosso tema. Ao se aproximar de dois operários que estavam quebrando pedras, percebeu que um estava cansado e sério, e o outro, também cansado, estava alegre, mas com uma quantidade bem maior de pedras quebradas.

E então perguntou: “O que vocês estão fazendo?” A resposta foi elucidativa. O que estava sério respondeu secamente: “Não está vendo? Estou quebrando pedras”. Já o que estava alegre disse, orgulhoso: “Estou construindo uma catedral”.

Assim também é o bom professor, pois ao explicar de forma simples conteúdos complexos, mostrando os grandes alcances ou objetivos do assunto, ele estará despertando o interesse do aluno, permitindo o desabrochar de seu talento. E ao sentir a chama de seu talento brilhando, tal aluno será capaz de captar cada informação de seu professor e ir “além”. Esse além é o despertar do conhecimento, desenvolvido pelo próprio aluno.

*Professor aposentado do ICB/UFMG

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