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Nº 1716 - Ano 37
25.10.2010

Entrevista: Justiça feita de conciliação

Adriana Goulart de Sena

Itamar Rigueira Jr.

Foto: Leonardo Andrade/TRT 3a Região
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Adriana de Sena: resolução de conflitos vai além da “lógica adversarial”

Cada vez mais, os cidadãos têm à sua disposição meios de resolução de conflitos, especialmente os consensuais, que representam perspectiva de política pública que pode contribuir para a transformação social. A opinião é da professora Adriana Goulart de Sena, que coordena o grupo de pesquisa e extensão Resolução de Conflitos e Acesso à Justiça (Recaj), na Faculdade de Direito, que sediou na semana passada seminário nacional sobre o tema.

Nesta entrevista ao BOLETIM, Adriana de Sena, que é também juíza do Trabalho, destaca que a conciliação – uma das alternativas de resolução de conflitos – contribui para maior funcionalidade do sistema e para a qualidade da atuação dos organismos judiciários, já que ajuda a diminuir o número de processos. Em sua avaliação, apesar de cada vez mais adotada pelos tribunais, a conciliação ainda carece de um olhar mais arguto da academia. “Precisamos de mais pesquisa sistematizada e tratamento mais precioso dos dados estatísticos”, defende.

Em que consiste a resolução de conflitos?

O convívio em sociedade e o exercício de liberdade individual gera naturais litígios entre os membros dessa sociedade. O Direito visa prevenir ou findar os conflitos e promover a estabilidade social diante do conceito mais próximo de Justiça pensada por aquele conjunto de pessoas. Mas esse é um papel também da sociedade como protagonista dessa autonomia. De forma muito recorrente, os envolvidos no conflito se assumem adversários e querem solução em que um ganhe e o outro perca. Mas resolver conflitos é muito mais do que viabilizar essa lógica adversarial, é tratar os conflitos viabilizando formas variadas para a sua solução, extraídas de um amplo leque de possibilidades, a partir da identificação do tipo de conflito.

Quais são as modalidades de resolução de conflitos?

No mundo ocidental contemporâneo, os métodos de solução de conflitos classificam-se, basicamente, nos grupos autotutela (normalmente o Estado exerce a coerção), autocomposição (solução pelas partes) e heterocomposição (com ação de agente exterior). As modalidades desta última são a jurisdição, a arbitragem, a mediação e a conciliação.

Por que é tão importante promover debates sobre o assunto, como o seminário da última semana?

O tema está na ordem do dia. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem tratado das formas alternativas de solução de controvérsias e juristas têm se debruçado sobre o assunto. Todos os anos ocorrem as semanas de conciliação do Judiciário. O Recaj UFMG vem abordando o tema desde 2007, e já foram produzidas várias monografias, artigos e pesquisas. Produzimos cartilha de esclarecimento à população como parte de projeto patrocinado pelo MEC.

As diversas instâncias da Justiça utilizam de forma plena essas alternativas?

O Judiciário está ciente de que não é possível atender a todos os conflitos por meio da sentença. E tem passado por reformas para tornar o processo menos formal. Assim, surgem alternativas, como a arbitragem e a mediação, em especial. E o próprio Judiciário incentiva a mediação e a conciliação judicial. A Justiça do Trabalho, que tem clara finalidade social, sempre utilizou a conciliação.

Quais as principais vantagens da conciliação?

A conciliação judicial, em especial a que pode ser obtida no início do processo, é extremamente interessante para a funcionalidade do sistema, já que promove celeridade e efetividade. Por outro lado, recupera as chamadas pequenas causas. E, uma vez que atenua a pressão numérica dos processos, contribui para reduzir o tempo de tramitação deles, preservando a qualidade da atuação da Justiça.

A população reage positivamente a iniciativas ligadas a mediação, conciliação etc.?

Na Justiça do Trabalho, as partes já sabem que haverá diálogo em prol da conciliação. Na Justiça Comum, especialmente nos conflitos de família, e na Federal, a prática conciliatória é algo que já começa a fazer parte do dia a dia. Existem também iniciativas em parceria com a sociedade civil. Todavia, ainda há resistências, que vêm sendo enfrentadas com esclarecimentos à população e esforços de desmitificação do tema, mesmo entre advogados. Na UFMG, o Programa Polos de Cidadania mantém núcleos de mediação entre populações em situação de exclusão e risco. São realizadas mediações entre o cidadão e as instituições que prestam serviços públicos, entre organizações comunitárias, entre o cidadão e as organizações comunitárias e entre estas e o Estado.

Há pesquisa consistente em torno do tema?

Existe pesquisa sobre número de conflitos levados ao Judiciário, decisões proferidas, número de conciliações. Os órgãos do Judiciário publicam estatísticas. Mas o tema ainda precisa de mais pesquisa sistematizada e tratamento mais precioso dos dados estatísticos. O seminário que realizamos pretendeu suscitar a curiosidade científica para que novos trabalhos sejam desenvolvidos. É preciso continuar o debate sistematizado e incluí-lo no calendário científico da Faculdade de Direito e da UFMG.