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Nº 1716 - Ano 37
25.10.2010

Morte severina

Minas e Brasil apresentam aumento de registros de óbito
por causas mal definidas

Ana Maria Vieira

Foto: Foca Lisboa
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Bernardo Lanza e Everton Lima: ampliação da cobertura não se traduziu em qualidade do registro de óbitos

Brasileiros sem cidadania, quem diria, parecem manter essa condição mesmo mortos. É o que se pode deduzir de estudos dedicados a avaliar a qualidade de informação sobre mortalidade em Minas Gerais e no país, feitos por pesquisadores da UFMG. Trabalhando com dados das últimas três décadas, eles identificaram fenômeno ainda sem evidência de ocorrer em outras localidades: a melhoria do registro de mortes foi seguida por expressivo aumento do número de óbitos por causas mal definidas.

“Os resultados indicam que uma morte mal declarada hoje pode estar substituindo um óbito não registrado no passado”, sintetiza Bernardo Lanza, professor da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) e autor das pesquisas junto com Everton de Lima, doutor em Demografia pela mesma Unidade, e cuja tese foi defendida no início deste mês. O indicativo da existência do fenômeno produz impacto para além da academia: como escrevem os autores em artigo sobre a questão, a imprecisão na determinação da causa de morte faz com que se torne cada vez mais difícil traçar corretamente o perfil epidemiológico da população brasileira e definir adequadamente políticas de saúde.

Para chegar a tais conclusões, Lanza e Lima recorreram a dados de óbitos e suas causas, do período de 1980 a 2007, disponíveis no Datasus, do Ministério da Saúde. As informações espelham a estatística das 75 microrregiões mineiras de saúde. Para o país, a análise comparou 558 pequenas áreas de todo o território. A estratégia dos estudos procurou identificar, inicialmente, a qualidade de registros de óbitos e, num segundo momento, a evolução espacial e temporal das causas mal definidas.

Evolução

“Minas Gerais apresentou considerável melhoria na cobertura de seus óbitos ao longo dos anos”, relata Lanza. “Entre 1980 e 1991 a qualidade dos registros ficava em torno de 85% a 90%, passando para 95% em 2000 e quase 100% em 2006”, escrevem os autores. Exceções nesse panorama – ainda que também tenham melhorado – são as regiões mais empobrecidas do Norte e Nordeste de Minas. Nelas, há microrregiões em que apenas a metade das mortes ocorridas é registrada. Os maiores focos de sub-registros de óbitos e mortes mal declaradas em Minas ocorrem em Minas Nova, Capelinha, Araçuaí, Nanuque e Águas Formosas.

Como causas mais evidentes de sua baixa cobertura, os especialistas apontam a pobreza – ou a desigualdade socioeconômica –, a extensão territorial, a heterogeneidade da qualidade de coleta de informação e a falta de motivação dos familiares em registrar os óbitos.

Ampliando a base geográfica para o estudo do problema, Bernardo Lanza e Everton Lima mostram que o mapa do sub-registro de mortes no país possui lógica similar ao do mineiro: cabem ao Nordeste e ao Norte os menores níveis de cobertura de óbitos. Na década de 1980, o índice nessas regiões chegava a 50%, passando de 30% a 40% nos anos 1990. Mas, para todo o país, a estimativa é de que, já em 2006, o registro de mortes tenha aumentado expressivamente, chegando a ficar entre 90% e 95%.

Envelhecimento

“A melhor cobertura, no entanto, não veio junto com o melhor registro, pois a qualidade da informação é ruim e temos pouca tradição no Brasil de preencher formulários de modo adequado”, ressalta Bernardo Lanza, analisando o impacto da natureza desses dados no aumento do número de mortes mal declaradas.

Conforme analisa Everton Lima, outro aspecto, o da mudança do perfil epidemiológico da população, também pode estar produzindo o fenômeno. “Com o envelhecimento da população, torna-se mais complexo identificar as causas da morte. O idoso muitas vezes tem diversas doenças, o que dificulta encontrar um diagnóstico. Talvez por esse motivo, a causa é registrada como mal definida. Mas o procedimento também pode indicar uma cobertura de má qualidade”, explica.

Os dados sobre o problema mostram, por exemplo, que, em 1999, 18% de brasileiros com 60 anos ou mais tiveram registro de morte mal definida. “No caso de Minas Gerais, em se tratando de termos proporcionais, comparado ao resto do Brasil, o número desses óbitos vem aumentando; passou de cerca de 10%, entre 1996 e 2000, para 15%, em 2006”, pontuam os autores, em textos sobre o tema.

Para compreender essa evolução, Everton Lima localizou o sub-registro espacialmente e comparou-o com dados de morte mal definida. “Apliquei técnicas de estatística espacial para identificar as regiões que se sobressaem. Em Minas, foram, novamente, Norte e Nordeste, sobretudo, o Vale do Jequitinhonha. No Brasil, o Nordeste apresentou os piores resultados, especialmente os estados do Maranhão e Piauí” relata o pesquisador.

A metodologia permitiu apontar clusters em volta das microrregiões mais afetadas. “São áreas em que também há prevalência dessa causa de morte”, diz Lima. Uma análise mais precisa revelou que há tendência de espalhamento dos clusters no Brasil e em Minas. O fenômeno é avaliado como decorrência do envelhecimento populacional.

Pesquisa similar será feita pelos autores para Colômbia, México, Argentina, Peru e Chile. Os dados encontrados serão divulgados na Web a partir de 2011.