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Nº 1750 - Ano 37
26.9.2011

TRIBUTO a um CRIADOR de carneiros e óperas

Concerto, dissertação e conversa com o público compõem homenagem ao compositor Elomar na UFMG

Itamar Rigueira Jr.

O campus Pampulha recebe esta semana, diretamente do interior da Bahia, para participação em três eventos, um fazendeiro que cria bodes e carneiros. E que há pouco tempo construiu um teatro em pleno sertão para encenação de suas óperas. O violonista, compositor, escritor e dramaturgo Elomar será homenageado na Escola de Música com palestra e concerto na série VivaMúsica, terá sua obra discutida em conversa com o público e assistirá à defesa da dissertação Os gêneros do discurso na obra operística de Elomar Figueira Mello: uma abordagem bakhtiniana, de Eduardo Ribeiro.

A apresentação do trabalho na Escola de Música foi o mote para a iniciativa da programação em torno de Elomar, que sempre demonstrou grande identificação com os músicos mineiros e tem parceiros e amigos em Belo Horizonte. Aos 74 anos, Elomar vive na fazenda Casa dos Carneiros, no município de Vitória da Conquista, que fica no Sul da Bahia, a 520 quilômetros de Salvador.

Autodidata de múltiplas influências, Elomar canta a caatinga “na linguagem da própria caatinga, não na língua oficial”, como ressaltou certa vez, oferecendo uma evidência de sua postura política, cultural e artística. Para o músico e parceiro Xangai, em depoimento gravado há vários anos, Elomar é o “grande paladino da vida do povo do sertão catingueiro”. Avesso a badalação, ele já declarou que tem preguiça de cantar. “É muita mão de obra, canto porque sou obrigado. Acho bom é compor, ficar inventando a música”, registrou em outra gravação.

Mesmo assim, já são 16 álbuns, desde um compacto simples produzido em 1968. Na contracapa do disco Das barrancas do Rio Gavião, Vinicius de Moraes, que estava por acaso em Salvador e aceitou apresentá-lo, cunhou a expressão “príncipe da caatinga” para definir o menestrel que começava a ganhar públicos fora do eixo Salvador-sertão.

Cultura ‘sertaneza’

Interessado e envolvido há muitos anos com a obra de Elomar – regeu trechos de ópera em Belo Horizonte em 1998 e atuou também na inauguração do teatro na Casa dos Carneiros (chamado pelo artista de Domus Operae) há dois anos –, Eduardo Ribeiro ressalta que Elomar nunca atingiu os segmentos médios do público. Sua música é conhecida nos sertões e por alguns círculos intelectualizados. “O povo caipira entende perfeitamente a música dele, que explora dialetos surgidos no início da colonização para comunicação com os índios, além de falares antigos de origem ibérica”, explica o pesquisador, um dos poucos a estudar o compositor sob a ótica musicológica. Outro foi o maestro João Omar Mello, filho de Elomar.

Dos pontos de vista musical e temático, a obra de Elomar é sertaneza autêntica – o próprio compositor criou o neologismo para diferenciá-la do estilo “sertanejo”, consagrado comercialmente nos últimos tempos. E as referências são muitas. “Além das toadas, repentes, tiranas e galopes que ouvia na infância, ele recebeu influência do tango, da seresta brasileira, de Luis Gonzaga e Jackson do Pandeiro, da música renascentista e de Carlos Gomes. Estudou violão clássico e incorporou características dos hinos de sua formação protestante”, enumera Ribeiro. Ele vê elementos religiosos na música de Elomar, como citações bíblicas e trechos em “latim acaipirado”. “Mas ele não faz proselitismo religioso, só fala de arte”, ressalta o pesquisador.

Para Eduardo Ribeiro, a obra de Elomar é hibridizada e heterogênea, de harmonia complexa, e põe em xeque as definições – e distinções – de música popular e erudita. Ele resgata formas musicais e gêneros de poesia extintos, assim como não existem mais lugares e hábitos do sertão que o compositor chegou a conhecer – motivo de amargura para Elomar, segundo Ribeiro.

Talvez por isso tenha se consagrado a visão de que Elomar canta e escreve sobre um “sertão profundo”, imaginário e atemporal, de uma ética própria e também extinta. “É como se pudéssemos falar de um sertão estético”, completa Eduardo Ribeiro, que é professor da Escola de Música, além de cantor, flautista e cravista.

Ribeiro se prepara para aprofundar o tema da dissertação nas pesquisas do doutorado. “Há muito estudo para ser feito, Elomar exige isso porque sua música tem muitas conexões”, analisa o professor.

Programação

Quarta, 28, a partir das 17h40

Palestra de Eduardo Ribeiro e concerto com a participação da mezzo-soprano Luciana Monteiro de Castro, professora da UFMG, e da cantora Titane, entre outros
Auditório da Escola de Música

Quinta, 29, às 9h

Defesa da dissertação de Eduardo Ribeiro Auditório da Escola de Música

Quinta, 29, às 15h30

Conversa com Elomar
Auditório principal da Escola de Engenharia