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Nº 1750 - Ano 37
26.9.2011

O termo surgiu em 2004 com Thomas Vander Wal, para designar uma classificação popular que se origina das ações de representação da informação desempenhada pelos usuários de diversos serviços na web. É uma inovação que explora o uso da linguagem cotidiana e o potencial das redes sociais na organização da informação.

HONRA tua PÁTRIA

Tese analisa discurso que legitima estatização
da violência masculina em obras literárias do século 19

Marcos Fernandes

O acionamento da polícia em momentos de crise da segurança ou o uso das forças armadas para defesa da pátria tornaram-se práticas comuns na sociedade contemporânea. Mas esse mecanismo só se legitimou devido a uma mudança de mentalidade ocorrida no século 19 e levada a cabo, inclusive, por escritores da época, como sugere estudo desenvolvido pelo pesquisador Matheus da Cruz e Zica, da Faculdade de Educação. Em tese defendida no início de setembro, ele compara vários discursos produzidos entre 1869 e 1872 para entender como livros, jornais, relatos e outros documentos contribuíram para a construção de uma imagem masculina fortemente marcada pelo ideal do homem viril.

A obra de Bernardo Guimarães, escritor e jornalista mineiro, foi usada por Matheus Zica como fio condutor de sua pesquisa, que envolveu ainda Machado de Assis e José de Alencar. Ele também consultou o jornal O Noticiador Mineiro, de Ouro Preto, e outras fontes como os relatórios dos presidentes da Província de Minas Gerais. A questão da honra masculina, que devia ser mantida a qualquer custo para muitos homens daquele período, serviu de norte para Matheus Zica. “Naquela época, a honra ‘se lavava com sangue’. Era costume alguém matar para manter a reputação limpa”, afirma. Entre os atos que poderiam manchar a imagem de um homem, estavam o adultério ou a fuga da mulher. “A violência masculina era amplamente aceita quando relacionada a ‘questões de honra’. O Estado ainda estava em construção, para, em seguida, passar a institucionalizar a violência”, afirma Matheus.

É nesse contexto que estão inseridos os escritos de Bernardo Guimarães, pacifista que passa a apoiar o uso das armas devido à Guerra do Paraguai, ocorrida entre 1865 e 1871. O que acontece, de acordo com o pesquisador, é um deslocamento da individualidade que permeava a noção de honra para o ideal de defesa da pátria. Em vez de agir com violência em favor de si mesmo, o homem é autorizado a usá-la em favor de sua nação. Em sintonia com a tendência de outros países do Ocidente, Guimarães “percebe que a noção de honra exercia forte influência sobre muitos homens e, por isso, em vez de negligenciá-la, ele vai negociá-la, oferecendo o ‘benefício’ do homicídio para lavar a honra do Estado”.

Uma das primeiras ações deste Estado em formação – a campanha pelo desarmamento da população –, de acordo com Matheus Zica, forjou um paradoxo que perdura até hoje. “O mesmo Estado que proíbe a conexão entre violência e masculinidade em sua forma individual pode vir a se valer, legitimamente, de um indivíduo para atitudes violentas, como no caso da polícia ou em momentos de guerra.”

Ele pondera que a violência, se circunscrita ao plano individual, é vista como negativa pelas pessoas, mas essa percepção tende a mudar quando praticada em nome do Estado ou de um ideal de defesa da coletividade. “Muitas pessoas ainda acham que a solução é ‘subir o morro’ e matar os traficantes. É esta naturalidade que deve ser questionada”, reflete.

Nostálgico, contido e teatral

Em sua pesquisa, identificou pelo menos três modos diferentes de ser masculino naquele contexto histórico. Nos personagens de José de Alencar, ele encontrou a nostalgia do homem sem os “limites do Estado”. Já os homens de Machado de Assis, retratados em Contos fluminenses, dividem-se entre os farristas – que acabam endividados – e os reclusos. “A violência quase não aparece. Há um triunfo do Estado, que mantém indivíduos mais contidos.” E nas histórias de Bernardo Guimarães, a violência aparece teatralizada nas cenas em que o personagem Elias, protagonista de O garimpeiro, apunhala cabeças de papel ou acerta argolas com lanças durante as cavalhadas. “Toda a habilidade com armas tem um fundo: é preciso ser contido, mas estar pronto para o momento em que o Estado exigir”, conclui Matheus Zica.

Tese: Diversificação dos modos de ser masculino e estatização da violência masculina na escrita jornalística e literária de Bernardo Guimarães (1869-1872)
Autor: Matheus da Cruz e Zica
Defesa: 6 de setembro
Programa: Pós-graduação em Educação, da Faculdade de Educação
Orientador: Luciano Mendes de Faria Filho