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Nº 1754 - Ano 38
24.10.2011

opiniao

A FILOSOFIA do DIREITO na UFMG

Marcelo Campos Galuppo*

No último mês de agosto, durante a realização do XXV Congresso Mundial de Filosofia Jurídica e Social, ocorrido em Frankfurt, na Alemanha, uma observação interessante foi publicada no jornal Frankfurter Allgemeine. Segundo o jornal, dos 800 participantes do encontro, pelo menos 100 eram brasileiros, que constituíram, depois dos próprios alemães, a segunda maior delegação do evento.

Motivo de surpresa para os alemães, para nós foi apenas a confirmação de uma tendência já percebida nos dois congressos anteriores realizados em Cracóvia, na Polônia, em 2007, e em Pequim, na China, em 2009, quando ficamos entre as três maiores representações nacionais. Não é para menos: em poucos países a Filosofia do Direito assume papel tão importante na formação do jurista como no Brasil: conteúdo obrigatório em todos os cursos de graduação em Direito, a disciplina também passou a ser, em maio de 2009, objeto de avaliação em todos os concursos para os cargos de juiz.

Se até meados dos anos 90 a Filosofia do Direito era tratada como “perfumaria” nos cursos altamente dogmatizados herdados da ideologia do golpe de 1964, a partir de então ela assumiu papel importante não só na formação universitária, mas também na atividade profissional dos juristas, o que levou constitucionalistas e outros especialistas a escreverem sobre seus temas.

Em vários países, a pesquisa e o ensino da Filosofia do Direito, diferentemente do que ocorre no Brasil, estão em declínio. Nos países de língua alemã, por exemplo, restam apenas três universidades com cadeiras dedicadas exclusivamente à disciplina (Göttingen, na Alemanha, Berna, na Suíça, e Salzburg, na Áustria). Autores clássicos, como o austríaco Hans Kelsen, foram esquecidos nesses países, onde a Filosofia do Direito assume um viés excessivamente pragmático. Se ela pode ser utilizada para auxiliar no processo de aplicação do Direito positivo, não menos importante é a análise crítica desse mesmo Direito, sobretudo na sua relação com a Justiça, viés este deixado de lado em favor de uma visão mais “aplicada” da Filosofia do Direito.

Se até meados dos anos 90 a Filosofia do Direito era tratada como “perfumaria” nos cursos altamente dogmatizados herdados da ideologia do golpe de 1964, a partir de então ela assumiu papel importante não só na formação universitária, mas também na atividade profissional dos juristas

Investigando os dois problemas fundamentais envolvidos pelo Direito, o da Justiça e o do estatuto epistemológico do conhecimento jurídico e de seu método, em especial no aspecto de sua interpretação, a Filosofia do Direito configura, portanto, um dos saberes fundamentais na formação de nossos estudantes. Sem uma reflexão crítica sobre o método para além do exercício argumentativo que caracteriza a dogmática jurídica (o Direito Constitucional e o Direito Civil, por exemplo), o conhecimento se converte em mera técnica que tende a ser apenas repetição do passado, e não pode dar conta da complexidade sempre renovada de uma sociedade em constante transformação.

Por outro lado, sem uma correta identificação do que possa significar a Justiça, sobretudo em uma sociedade complexa e democrática, é impossível para o jurista compreender adequadamente o Direito positivo, e, consequentemente, sua prática se torna apenas uma tecnologia que pode ser posta indistintamente a serviço de qualquer causa, inclusive daquelas eticamente condenáveis.

A UFMG desempenha papel de destaque nesse cenário de valorização da Filosofia do Direito. Um indício disso está no fato de que 35 dos 100 brasileiros participantes do XXV Congresso eram ligados, de alguma forma, à nossa Universidade. Com grande influência na pesquisa e ensino da disciplina, a Universidade conta, em sua história, com uma tradição consolidada de jusfilósofos, tais como Lídio Machado Bandeira de Melo, Carlos Campos, Edgar de Godoi da Mata--Machado e Gerson de Brito Mello Boson (ex-reitor da UFMG).

No final de novembro de 2011, entre os dias 24 e 26, a Faculdade de Direito da UFMG sediará a V Jornada Brasileira de Filosofia do Direito da Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito (Abrafi). Além da apresentação de trabalhos pelos participantes, o evento contará com conferências dos professores Manuel Atienza, da Universidad de Alicante, Tércio Sampaio Ferraz Júnior, da Universidade de São Paulo, e Joaquim Carlos Salgado, professor titular aposentado de Filosofia do Direito da UFMG.

Entre os dias 22 e 26 de julho de 2013, a UFMG também sediará a 26ª edição do Congresso Mundial de Filosofia Jurídica e Social, da Internationale Vereinigung für Rechtsund Sozial Philosophie – IVR (Associação Internacional para a Filosofia Jurídica e Social), com o tema Direitos humanos, estado democrático de direito e os desafios contemporâneos das sociedades complexas.

É a primeira vez que o Congresso, o mais importante da área, se realiza no Brasil, e espera-se que reúna pelo menos 1.200 pesquisadores. A realização dos dois eventos em nossa instituição é uma prova de que a Universidade está consolidando sua liderança nacional e internacional no campo da Filosofia do Direito.

*Professor da Faculdade de Direito da UFMG, da Faculdade Mineira de Direito da PUC Minas e presidente da Associação Brasileira de Filosofia do Direito e Sociologia do Direito

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