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Nº 1764 - Ano 38
27.2.2012

opiniao

Construindo e reconstruindo a UFMG

Apolo Lisboa*

Meus últimos escritos no BOLETM focam na possibilidade de mudanças na UFMG. Haveria o risco dela estar ficando defasada frente à contemporaneidade ou sendo levada pelas circunstâncias. Por que as coisas não fluem melhor e há tantas frustrações comentadas por toda parte? Por que tantas iniciativas são barradas ou não podem avançar na velocidade que necessitam?

O professor Neidson Rodrigues, em Glórias e misérias da razão (Cortez, 2003, São Paulo), diz que as concepções de mundo, tanto as religiosas quanto as científicas, presentes na história e estruturantes das diversas civilizações, comportam diversas visões de mundo em seu interior. Daí a necessidade de saber conversar sobre nossas diferenças. Neidson cita Nietzsche, que acusa o pensamento ocidental de não suportar a oposição. Podemos ajuntar que a estrutura da lógica aristotélica, que exclui um dos termos da contradição, limita o nosso pensamento a uma dimensão de simplicidade, e essa postura está fortalecida na universidade desde a revolução racionalista cartesiana do século 17.

Na construção democrática, o contraditório debatido publicamente é fundamental. Na Grécia, a arte da retórica e a filosofia se combinavam nos espetáculos na Ágora, como registra A guerra do Peloponeso (Tucídides. UNB, 2001, Brasília).

Mas estamos bloqueando a nossa instantânea vontade, a nossa alma está bloqueada. Por que somos inseguros e desprezamos o intercâmbio, por vezes colocando-nos em concorrência pessoal com os temas? O filósofo Arthur Schopenhauer (1788-1860), em Como vencer um debate sem precisar ter razão – Dialética Erística (Topbooks, 1997, RJ), diz que a maioria dos cientistas e filósofos trata a ciência como uma queda-de-braço. Quando envolvidos em uma polêmica, costumam insistir em seu equívoco, que no íntimo reconhecem, para não admitir o sucesso do seu eventual contendor.

A partir dessas preliminares, penso que o melhor momento para uma reflexão sobre a UFMG é um ano após a posse de um reitor. Paradoxal, não parece? Poderia ser no período eleitoral, mas tem sido impossível. Não tenho a menor dúvida: o pior momento para debater a UFMG é o de escolha eleitoral do reitor e dos diretores.

Há uma oportunidade entre nós, propiciada pela cultura da não reeleição para reitor. Um ano após a posse, o titular tem a visão da montanha sobre o vale, conhece já o seu ofício e as cobranças, tendo três anos pela frente. Em geral, está sufocado, despachando aqui e em Brasília, todo dia o dia todo, recebendo uma fila de pessoas e indo a cerimônias. Torna-se dirigido pelas demandas prementes, quebrando a cabeça com uma a uma delas, pela dificuldade de decisões estratégicas. Acaba sem tempo para refletir e fazer discussões sobre o que é fundamental numa gestão acadêmica e não faz segredo dessa situação.

O momento eleitoral tornou-se campo minado e impróprio a um exercício intelectual de qualidade. Em vez de abertura, os grupos se fecham pelos fins, inibindo os indivíduos desarticulados; a lógica é da disputa pelo poder e os argumentos se tornam apenas instrumentos utilitários de campanha. A polarização se dá em torno de nomes, grupos estruturados na sombra, e não na Ágora – nossa democrática Praça de Serviços! Esse espaço deveria ser ocupado assim como os estudantes egípcios ocuparam a praça Tahrir. Mas o movimento estudantil está colonizado ideologicamente.

O fato do período eleitoral para a escolha dos reitores da UFMG ter se tornado inadequado para escolhas qualitativas se deve à clivagem que opõe estruturas de poder aos mecanismos de transformação conceitual da Universidade. As duas coisas se separaram.

A legitimidade das estruturas administrativas eleitas está no campo gerencial, para encaminhamentos de decisões e gestão de áreas físicas, de coisas e de pessoal. Não se questiona isso. Em se tratando, porém, do pensamento e dos questionamentos conceituais, a autoridade gerencial não tem legitimidade. Mas, sutilmente, isto fica escondido, nem tanto assim, procurando consagrar a política dos diretores e da hierarquia, subordinadas à lógica da sobrevivência dos nichos político-administrativos de poder, bloqueando as inovações que não nasçam deles próprios, estéreis neste mister.

Para a transformação do pensamento na UFMG, a autoridade das iniciativas não vem do cargo, mas do valor das propostas. Daí que a política que se assenta nas estruturas de controle do poder pelas unidades, departamentos e Reitoria se impõe pela inércia e pela burocracia vertical e não pelo convencimento intelectual. Quando todos os organismos e mecanismos são indiretos exerce-se o controle burocrático em detrimento da palavra e da democracia. Ficou malvisto discordar do consenso mudo.

Entre outros, é essencial restaurar o valor do voto estudantil e dos funcionários. Sem ele, fica diminuído também o voto dos professores, pois os mais respeitados exercem grande liderança sobre o conjunto dos alunos e servidores técnicos e administrativos. E os professores devem liderar e não impôr suas opiniões, cassando direitos. Professor deveria emitir opiniões. O voto igualitário de todos os segmentos é o fundamento da democracia, possibilitando que a força do argumento e do convencimento se imponha nos debates. A Universidade perde quando cada segmento se isola em torno de suas questões corporativas.

*Professor da Faculdade de Medicina e coordenador do Projeto Manuelzão