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Nº 1764 - Ano 38
27.2.2012

Biotecnologias em três marcos

Tese da Ciência Política compara regulamentação das pesquisas com células-tronco e transgênicos no Brasil com as dos Estados Unidos e União Europeia

Gabriella Praça

Se descobertas e evidências científicas são, supostamente, universais, por que as chamadas “novas biotecnologias” são regulamentadas de maneira diferente em cada país? Esse é um dos questionamentos que motivaram a tese de doutorado Ciência política na era das novas tecnologias: uma análise do marco regulatório brasileiro à luz de outras experiências, defendida em dezembro no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Fafich. A autora, Maya Mitre, caracterizou o posicionamento brasileiro quanto à utilização de biotecnologias – que se valem de organismos vivos ou de seus derivados para uso específico –, comparando-o com o dos Estados Unidos e União Europeia.

Células-tronco embrionárias e organismos geneticamente modificados foram as biotecnologias eleitas. “A partir desses casos específicos, investiguei como os marcos regulatórios refletem as relações entre ciência e política em diferentes países, questão que se relaciona com a história, a cultura e a configuração institucional de cada um”, sintetiza Maya. Como os assuntos investigados envolvem grande interesse social, a autora defende o aumento dos instrumentos de participação popular nas decisões regulatórias. Para ela, embora as questões deliberadas sejam de alta complexidade técnica e científica, o leigo é capaz de entender a relação custo-benefício das decisões e mensurar suas conse-quências para a vida em sociedade. “Além disso, esses temas não envolvem apenas aspectos técnicos, mas valores éticos, morais e religiosos, tornando ainda mais importante a participação popular no debate”, acrescenta, ressalvando, no entanto, que ainda assim a opinião dos especialistas é fundamental. “Excluí-los do processo nem sempre resulta em decisões mais acertadas e democráticas”, afirma.

Para a autora, o avanço científico na área das biotecnologias traz à tona o antigo temor de conferir ao cientista poderes divinos, ou de criar um super-humano, dotado de capacidades maquínicas. Nesse contexto, manipular códigos genéticos e derivar células de embriões são práticas muitas vezes consideradas ameaçadoras, por ocuparem lugar onde as supostas fronteiras entre o “natural” e o “artificial” se confundem. “Ao utilizarmos essas tecnologias, chegamos perto do que antes era considerado ficção científica”, lembra Maya.

Não faltam exemplos na literatura e no cinema. Um dos mais conhecidos é a figura de Frankenstein, que, segundo a pesquisadora, é um alerta sobre as possíveis consequências da ânsia desmedida por controle e manipulação da natureza. Em alusão ao clássico de Mary Shelley, alimentos geneticamente modificados foram apelidados de frankefoods pelos críticos da prática. Já no livro O admirável mundo novo, de 1932, Aldous Huxley retrata uma sociedade desprovida do conceito de família, na qual crianças geradas em laboratório são replicadas em escala industrial. Para a pesquisadora, essas obras refletem os medos e desejos humanos em relação ao impacto que a manipulação da natureza pode provocar.

Conflitos transgênicos

Regulamentados pela Lei de Biossegurança de 2005, a pesquisa, o cultivo e a comercialização de organismos geneticamente modificados foram tema de intenso debate na esfera pública nacional. Por um lado, havia o interesse de multinacionais do setor alimentício e de agricultores em comercializar produtos transgênicos no Brasil. Por outro, movimentos ambientalistas e associações de pequenos agricultores e de consumidores se mobilizaram contra a liberação, argumentando a inexistência de pesquisas suficientes para esclarecer quais seriam os efeitos desses alimentos em longo prazo, tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente. Alguns alegavam, ainda, que a comercialização de alimentos transgênicos por grandes corporações poderia quebrar o pequeno agricultor brasileiro. Segundo levantamento do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações Biotecnológicas Agrícolas, em 2011, o Brasil possuía a segunda maior área de cultivo de transgênicos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos.


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Tese: Ciência e política na era das novas tecnologias: uma análise do marco regulatório brasileiro à luz de outras experiências
Autora: Maya Mitre
Defesa: 5 de dezembro de 2011, no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Fafich
Orientador: Bruno Pinheiro Wanderley Reis


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