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Nº 1768 - Ano 38
26.3.2012

Cães e humanos agradecem

Em modelo inédito de contrato, UFMG transfere, sem ônus, tecnologia para fabricação de diagnóstico da leishmaniose canina

Ana Rita Araújo

A UFMG assina, nesta quarta-feira, dia 28, contrato de licenciamento de tecnologia que permitirá à Fundação Ezequiel Dias (Funed) produzir kit para diagnóstico de leishmaniose visceral canina a ser utilizado no Sistema Único de Saúde (SUS). Para a Universidade trata-se de modelo inédito de transferência, porque não estabelece previsão de remuneração pelo uso da tecnologia, desenvolvida por grupo de pesquisadores coordenado pelo professor Wilson Mayrink, aposentado do Instituto de Ciências Biológicas (ICB).

Segundo a pró-reitora adjunta de Pesquisa da UFMG, professora Marisa Mancini, a decisão pelo licenciamento não oneroso justifica-se pelo fato de a tecnologia estar relacionada ao diagnóstico de doença negligenciada e de grande impacto sobre a saúde pública.

“Nossa grande satisfação é ter criado algo que vai beneficiar a população”, afirma a professora Norma Melo, que compõe a equipe de inventores. Ao destacar que a ­doença está em expansão no Brasil e em várias áreas do mundo, a pesquisadora reitera: “É um dever da Universidade transferir o método sem ônus para um órgão público e assim beneficiar a sociedade”. Ela assegura que a aplicação prática do invento deixa felizes todos da UFMG, principalmente o professor Wilson Mayrink, que desde o início dos anos 1970 realiza pesquisas na área, bem como seus colaboradores. E acrescenta: “Saber que nosso trabalho serve para a população é o nosso grande triunfo”.

O presidente da Funed, Augusto Monteiro Guimarães, comenta que a leishmaniose visceral não desperta interesse da indústria farmacêutica privada para investimento em soluções para diagnóstico, prevenção ou tratamento. “Participar dessa parceria com a UFMG para produzir em nosso estado um kit potencialmente mais sensível de diagnóstico da doença não só é motivo de satisfação como também contribui para que a Funed cumpra seu papel social enquanto laboratório público de saúde”, diz.

Prevenção

Desenvolvido em laboratórios do ICB, o kit que será produzido pela Fundação baseia-se na padronização de antígeno obtido a partir de promastigotes de Leishmania infantum, utilizando a técnica de Elisa (teste imunoenzimático), que permite a detecção de anticorpos específicos no soro ou plasma sanguíneo de cães infectados. “O Elisa é usado para diagnóstico de várias outras doenças que produzem imunoglobulinas, cada uma com antígenos específicos”, explica Norma Melo. Para realizar o protocolo definido nos laboratórios da UFMG, o kit contém placa sensibilizada pelo antígeno e outros componentes. Segundo os inventores, para alcançar o resultado, foi selecionado um tipo de cepa de Leishmania infantum (BH400) que permitiu a obtenção de antígenos “que conferiram maior especificidade e sensibilidade nos testes de Elisa”.

Norma Melo comenta que a fabricação do kit por um laboratório público e sua utilização massiva pelo SUS tende a contribuir para a prevenção da leishmaniose visceral, porque o cão é o principal reservatório doméstico da doença, sobretudo em áreas urbanas. “A doença no cão sempre precede a humana, que pode se tornar endêmica nos locais onde houver o vetor, o flebotomíneo ou mosquito palha (Lutzomyia longipalpis)”, explica.

Incidência

Causada por protozoários do gênero Leishmania e transmitida pelo mosquito palha, a leishmaniose apresenta-se nas formas cutânea, caracterizada por lesões na pele; cutaneomucosa, com lesões na pele e mucosas; e visceral, que atinge principalmente vísceras como baço, fígado e medula óssea. A forma visceral está distribuída em países tropicais e subtropicais da Europa, África, Ásia e América. No Brasil, atinge praticamente todos os estados, com média de três mil novos casos por ano.

Enquanto a leishmaniose tegumentar tem diagnóstico mais fácil, a versão visceral é a mais grave, podendo levar à morte quando não tratada adequadamente. Se detectada precocemente, o tratamento no homem é eficaz. Já os cães devem ser submetidos a exames periódicos, e os soropositivos sacrificados, pois se o flebotomíneo picar o cão positivo – que funciona como reservatório do protozoário –, o parasita pode ser transmitido ao homem. “As formas de controle são o tratamento da pessoa doente, o uso de inseticida no vetor adulto e o sacrifício dos cães sorologicamente positivos”, ensina Norma Melo, ao lembrar que a gravidade da doença, assim como sua condição zoonótica, fazem do diagnóstico ponto essencial.

O próximo passo da parceria é a transferência da tecnologia para produção e distribuição da vacina humana desenvolvida pelo mesmo grupo de pesquisadores. O processo será realizado no mesmo formato, sem previsão de remuneração para a Universidade.

Tecnologia licenciada: Método e kit para diagnóstico de leishmaniose visceral, protegida junto ao INPI por meio do pedido de patente PI1000664-8.
Inventores: Wilson Mayrink, Maria Norma Melo, Marilene Suzan Marques Michalick, Eloisa de Freitas e Soraia Oliveira Silva.
O kit foi desenvolvido no setor de leishmaniose do Departamento de Parasitologia do ICB e envolveu os laboratórios de Biologia da Leishmania, de Sorologia e de Leishmanioses.