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Nº 1768 - Ano 38
26.3.2012

Entrevista

“Corrupção não é um destino inevitável”

Gabriella Praça

O Brasil é visto por grande parte de sua população e até por estudiosos do assunto como um país corrupto por natureza. O jeitinho, a trapaça e a maladragem são apontados como traços de uma suposta identidade nacional e acabam por reforçar essa percepção. No livro Corrupção e sistema político no Brasil, recém-lançado pela editora Civilização Brasileira, os professores Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras, do Departamento de Ciência Política da Fafich, buscam desmitificar essa ideia, até porque existe, na avaliação deles, uma política em curso destinada ao controle da corrupção. “Mas ainda há inúmeros desafios para consolidá-la e levá-la a patamares mais condizentes com democracia”, diz Filgueiras, na entrevista que se segue.

Como o senhor descreveria os impactos da corrupção na cultura política brasileira?

Os impactos são extremamente negativos se a corrupção não for enfrentada e continuar impune. A corrupção alimenta a desconfiança e indiferença dos cidadãos, enfraquece a identidade da coisa pública e prejudica a gestão e o funcionamento das instituições. Ela se torna uma espécie de mal tolerado, cujo principal impacto é criar ineficiência e, no limite, esvaecer a legitimidade do sistema político. 

O livro Corrupção e sistema político no Brasil pretende desmitificar a ideia de inevitabilidade da corrupção no país, frequentemente apontada por estudiosos do assunto. Em que se baseia essa concepção?

A naturalização da corrupção no Brasil surge de um entendimento equivocado de nossa identidade pública, que ocorre, sobretudo, por conta de uma leitura que procura identificar os males do presente em uma trajetória pré-definida no passado. Nesse sentido, naturalizamos comportamentos no âmbito de uma cultura do jeitinho, da trapaça, da malandragem. Colocamos o problema da corrupção como questão política, porque ele exige posições públicas da autoridade democrática para o seu enfrentamento, a construção ou a mudança institucional do Estado. O livro mostra que essa política existe atualmente no Brasil, mas que ainda há inúmeros desafios para consolidá-la. E a corrupção não é um fenômeno natural, vinculado à nossa identidade, e um destino inevitável. Ela pode ser controlada e posta em patamares mais condizentes com a democracia. 

Como provocar essa transformação?

O livro procurou reunir duas perspectivas. A primeira destaca o lugar ocupado pela corrupção na cultura política brasileira. A outra é mostrar como essa cultura tem se transformado em função da consolidação da democracia e das mudanças institucionais em voga. Acreditamos que as duas ordens de questões são fundamentais. Não basta a mudança institucional sem o apoio ou mesmo alheia à sociedade, assim como também não basta a mobilização da sociedade sem que haja mudanças nas instituições. Por isso, acreditamos que a transformação na identidade pública brasileira está em curso e precisa ser reforçada. 

Que benefícios uma reforma política poderia trazer ao Brasil, no que diz respeito ao controle da corrupção? E quais são as limitações encontradas, já que o problema ultrapassa o âmbito da máquina administrativa do Estado?

Reformas políticas, por si mesmas, mudam o jogo político. Com elas, precisamos fortalecer os partidos, o debate público no âmbito do Congresso Nacional e um tipo de funcionamento do sistema em que a governabilidade não necessite de alianças que muitas vezes não são movidas pelo interesse público, mas por interesses privados escusos. A governabilidade no Brasil depende de um jogo de alianças entre os partidos que passa pela distribuição de cargos e de benesses com os recursos públicos, sem atentar para mudanças essenciais. Criamos, assim, ineficiência e possibilidades amplas de corrupção. Isso afeta a cultura política ao não permitir que o interesse público prepondere, e a corrupção, assim, se torna uma espécie de ciclo vicioso envolvendo instituições e cultura política. Esse é o motivo pelo qual o combate à corrupção deve ir além de alterações na máquina administrativa. Essas são mudanças bem-vindas, mas é necessária uma reforma política mais ampla. 

O senhor acredita que acontecimentos recentes, como a aprovação da Lei da Ficha Limpa e o reconhecimento de instituições de controle, como o Conselho Nacional de Justiça, estejam relacionados a um novo momento histórico no país?

Esses dois fatos representam bem o momento da cidadania no Brasil. A Ficha Limpa é uma lei de iniciativa popular e procura criar algum tipo de barreira para a impunidade. A atuação de instituições de controle tem sido acompanhada de perto pela opinião pública brasileira. São pontos extremamente positivos e que marcam mudanças na política do país. 

A obra recém-lançada retrata pesquisas desenvolvidas no Centro de Referência de Interesse Público (Crip), além de trabalhos de parceiros que se dedicam ao tema. Em que contexto surgiu o Crip e qual a sua função? Por que a abordagem interdisciplinar?

O Centro de Referência do Interesse Público surgiu em 2006, a partir de uma perspectiva interdisciplinar que congregasse esforços de diferentes áreas das ciências humanas para o entendimento de questões públicas candentes. Nesse contexto, a primeira questão abordada foi a da corrupção. Esta obra é a continuidade de um trabalho que surgiu no livro Corrupção: ensaios e críticas, lançado pela Editora UFMG em 2008. Acreditamos que o enfrentamento das questões públicas no Brasil, como a corrupção, necessita de um alcance mais amplo, que envolva tanto aspectos históricos e filosóficos que estruturam nossas instituições e a cultura política, quanto aspectos mais salientes no presente, enfrentados pela ciência política e pela sociologia. Nesse sentido, uma abordagem interdisciplinar é mais do que necessária.