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Nº 1770 - Ano 38
9.4.2012

opiniao

Carreira docente: reflexões sem fim

* Allan Claudius Queiroz Barbosa

O debate sobre carreira docente volta à superfície por atormentar docentes e gestores públicos preocupados com os rumos que redirecionaram a trilha profissional, presente no imaginário e na lógica de formação das Ifes. Longe de discutir aspectos simbólicos de sua representação, esta atividade sempre esteve associada a uma entrada ainda precoce, passando de forma paulatina pelos diferentes níveis em função da titulação e do tempo de serviço, associando, ainda, critérios de desempenho e/ou resultados alcançados.

Isso em um ambiente com claro respeito e cumprimento de preceitos associados a ensino, pesquisa, extensão e administração universitária fortemente vinculados a valores institucionais de cada universidade, considerando especialmente aquelas de trajetória consolidada. A UFMG é um exemplo bem acabado de tais circunstâncias. Some-se a isso uma dedicação e respeito inigualáveis aos preceitos da Universidade, marca inconteste de uma geração de docentes e servidores. Essas circunstâncias tornaram parcela significativa das universidades públicas brasileiras um espaço privilegiado de excelência, rigor e formação diferenciada, sendo reconhecidas e respeitadas por toda a sociedade.

Nesse ambiente, a carreira docente forjou um sólido patrimônio, que começa a ser velozmente dilapidado por poderosos movimentos que colocam em dúvida o verdadeiro sentido de sua valorização. As recentes transformações na educação superior brasileira, que culminaram com o aumento do número de vagas nas Ifes, reivindicação histórica de todos os setores da sociedade, associadas a uma política recente de recomposição salarial por parte do governo federal, vieram acompanhados do crescimento de um movimento exógeno às universidades, notadamente pela competição por recursos de financiamento, pelas pressões e exigências das agências de fomento e dos veículos cada vez mais concorridos de divulgação científica.

Em meio a isso, a entrada de docentes nas universidades passou a acontecer “por cima”, isto é, a titulação mínima exigida era justamente a máxima possível, o que reduziu o trajeto anteriormente percorrido, tornando as universidades mais qualificadas, mas com dificuldades em proporcionar a formação anterior que valorizava o reforço aos vínculos construídos ao longo do tempo.

Desnecessário lembrar que essa situação, longe de externalizar um conflito geracional, evidenciou o recorte em “grupos” com diferentes vocações acadêmicas, muitas vezes desconectadas e distantes em termos de um pensamento que reconheça a universidade como referência institucional. Isso significa dizer que uma forte contradição pode ameaçar a excelência e a solidez duramente conquistadas.

Como? De um lado, um movimento que reconhece a Universidade como lócus de suas trajetórias, reforçando os pilares que forjaram sua solidez, por meio do ensino, pesquisa, extensão e administração universitária. De outro, um movimento que vincula trajetórias às exigências exógenas a ela, deixando em segundo plano as atribuições usuais e criando a estranha situação de desenvolver atividades na universidade, mas nem sempre para a universidade. Intermediando esses dois extremos, um terceiro movimento que procura equilibrar ambas as situações, ao mesmo tempo assegurando e reconhecendo a universidade como prioritária, mas proporcionando interação com o ambiente externo. Isso associado a muitas propostas individualizadas de carreira, sem aderência clara ao que a Instituição exige.

Esse cenário ganha contornos preocupantes, considerando a perspectiva concreta de convivência de regimes previdenciários distintos dentro das universidades, através de uma clivagem que pode gerar impactos ainda incertos em todas as dimensões da atividade docente.

Junte-se a isso uma carreira definida no nível federal, que não se realiza nos moldes conceituais conhecidos e tende a não diferenciar docentes em sua atividade cotidiana e em seu desempenho efetivo. O formato atual, que mantém intacto o conjunto de classes e níveis, com a inclusão de um step expresso na figura do Associado, já emite sinais de esgotamento e torna-se um desestímulo pela falta de perspectivas e de projeções no mínimo condizentes com a importância e, por que não dizer, nobreza das atividades.

Nesta perspectiva, o debate sobre carreira docente nas Ifes parece não esgotar suas possibilidades e impactos sobre a vida cotidiana de milhares de professores e professoras que escolheram essa trilha profissional. Os tradicionais componentes “funcionais” (leia-se trajetória profissional e remuneração condizente a ela) têm sido reforçados nas ações e/ou medidas governamentais, fora da governabilidade das universidades, que geram incertezas, contradições e desafios que não se traduzem em respostas otimistas.

De forma geral, essa discussão traz consigo um complexo conjunto de questões que precisam ser equacionadas, tais como a autonomia universitária, o estabelecimento de limites e atribuições que delimitem as relações entre a universidade e os agentes externos a ela, a infraestrutura física e tecnológica existente e a desejada, as condições de trabalho, entre outras.

Tal situação reforça um quadro que exige profunda reflexão sobre a forma de buscar alternativas capazes de assegurar à atividade docente nas Ifes sua continuidade nos mesmos patamares de qualidade e excelência que a sociedade reivindica. A estratégia de concessão de reajustes e/ou ganhos salariais, associada à criação de níveis ou steps nos que já existem, não é satisfatória. Sendo respostas paliativas, geram desconforto e prolongam uma situação de desdobramentos incertos, mas que exigem soluções menos simplistas.

*Professor associado da Face