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Nº 1770 - Ano 38
9.4.2012

Criança em flor

Dissertação mostra que indivíduos mais propensos a distúrbios comportamentais são os maiores beneficiários de
políticas para a infância

Gabriella Praça

“Crianças-orquídea”. O pesquisador Ricardo de Lins e Horta, mestre em Neurociências pela UFMG, recorre à metáfora para se referir a indivíduos especialmente sensíveis a fatores ambientais: maltratados na infância, apresentam graves problemas na vida adulta, mas, quando bem cuidados, destacam-se entre os demais. O oposto são as “crianças dentes-de-leão”, capazes de “florescer” mesmo em circunstâncias adversas. Em sua dissertação, defendida mês passado, o autor sugere que as “crianças-orquídea”, potencialmente mais problemáticas, são as maiores beneficiadas das políticas governamentais voltadas para a população infantil em situação de vulnerabilidade social.

Para as neurociências, a principal função do cérebro é processar informações, o que ocorre por meio de sinais químicos e elétricos que fluem entre neurônios. Nesse mecanismo de transmissão de dados, as substâncias orgânicas conhecidas como neurotransmissores exercem papel de destaque ao conduzirem impulsos nervosos entre uma célula e outra. Em grande medida, são eles os responsáveis pelo comportamento humano. “A transmissão deficiente em uma região cerebral específica pode resultar em alterações comportamentais”, salienta o recém-mestre. Os neurotransmissores são sintetizados a partir do código genético, contido no núcleo celular.

Em seu trabalho, Horta investigou a ação dos genes no núcleo neural, a partir da epigenética – campo de estudos sobre a interação genes-ambiente. Para o pesquisador, embora permaneça o mesmo do nascimento à morte, o código genético humano funciona como espécie de “sanfona”, cujas partes se abrem ou fecham, de acordo com o ambiente em que a pessoa vive. “Esse é um processo dinâmico segundo o qual os genes podem se ativar ou silenciar ao longo da vida, alterando o funcionamento de corpo e mente”, sentencia. Como a flexibilidade é maior na infância, o padrão de manifestação gênica em uma criança que viva em ambiente de privação, fome, negligência, abuso físico e sexual pode perdurar por toda a vida, resultando em psicopatologias.

Ao se dedicar ao estudo do vínculo emocional entre crianças e seus cuidadores, Horta investigou os genes envolvidos na produção de neurotransmissores que estão por trás dessa relação de apego. “O padrão de afetividade do indivíduo com seu cuidador durante a infância interfere intensamente no desenvolvimento de sua capacidade cognitiva”, ressalta, evocando a metáfora da “criança orquídea”. “Há pessoas que carregam uma particularidade de fundo genético que faz com que desenvolvam o que há de pior quando criadas em ambiente hostil, ao passo que, se receberam carinho, atenção e cuidados, são as que conseguem ir mais longe.” Essa variabilidade comportamental resultante do ambiente é a razão pela qual são essas as crianças mais beneficiadas pela ação estatal.

Distanciamento

Segundo o autor, embora o Brasil tenha evoluído significativamente em termos de políticas públicas desde a Constituição de 88, há um distanciamento entre as instâncias que prejudica sua efetividade. “Cada ministério se preocupa, separadamente, com educação, saúde ou assistência social, mas não há um programa único que abranja todas as dimensões”, aponta.

Para Horta, que, atualmente, ocupa o cargo de especialista em políticas públicas e gestão governamental, atuando na Casa Civil da Presidência da República, é preciso que os formadores de opinião ouçam o que os cientistas têm a dizer, e vice-versa. “Dessa forma, os políticos estarão aptos a fazer escolhas mais embasadas, enquanto os cientistas conhecerão melhor a finalidade social das pesquisas que desenvolvem.”

Dissertação: Consequences of adversity on the development of attachmentrelated neurotransmitter systems: integrative review and analysis of brazilian federal policies for early childhood
Autor: Ricardo de Lins e Horta
Orientador: Vitor Geraldi Haase
Defesa: 2 de março de 2012, no Programa de Pós-graduação em Neurociências da UFMG