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Nº 1770 - Ano 38
9.4.2012

Entrevista

“A inclusão é um quesito da excelência”

Desde 2009, cerca de 30% dos alunos de graduação da UFMG aprovados no vestibular foram beneficiados pelo programa de bônus, que acresce percentuais às notas de candidatos oriundos de escola pública e que se autodeclaram negros ou pardos. Estudo recém-concluído revela o papel do bônus “como política inclusiva de grande importância”, diz a pró-reitora de Graduação, professora Antônia Vitória Aranha.

“Não posso dizer que o bônus veio para ficar, porque quem decide isso, em última instância, é o Conselho Universitário. Mas seus resultados são muito positivos”, afirma a pró-reitora.

Em que consiste o estudo sobre o programa de bônus?

Trata-se de extensa análise, realizada com base em informações sobre o concurso Vestibular desde o ano 2000, com o objetivo de dar subsídios ao Conselho Universitário para avaliar a política de inclusão adotada pela UFMG em 2009.

Os dados indicam que o bônus está aprovado?

Nossa avaliação é de que foi uma política de inclusão muito positiva, pois trouxe para dentro da Universidade setores sociais que entravam de forma muito marginalizada ou praticamente inexistiam. Os dados revelam que até 2008 os negros e candidatos com renda familiar mensal inferior a cinco salários mínimos aprovados estavam sempre sub-representados com relação ao número de inscritos. A partir de 2009, esse quadro mudou, e o percentual de aprovados passou a coincidir com o de inscritos. Já os estudantes oriundos da rede pública são um caso à parte: apesar da adoção de medidas de ação afirmativa – e embora o bônus tenha feito coincidir o percentual de inscritos com o de aprovados – a proporção de inscritos da rede pública vem caindo desde o Vestibular 2002.

A que se pode atribuir essa queda?

Trabalhamos com hipóteses. Mas sabemos que há no imaginário da população a ideia de que a universidade federal não é para alunos da rede pública. Professores relatam isso para seus alunos em sala de aula. Hoje esses estudantes representam 45% do corpo discente – é um índice razoável, mas poderia ser maior, e o que nos preocupa é que vem caindo.

O que a Universidade tem feito?

Temos procurado entrar em contato com as secretarias de Educação, enviamos para a rede estadual exemplares do Guia das Profissões, procuramos divulgar amplamente nosso vestibular e reiteradas vezes anunciamos que os dados não espelham a impossibilidade de esses alunos estarem aqui.

Há quem questione políticas de ações afirmativas como o bônus, com o argumento de que se sobrepõem ao mérito...

Ninguém entra na UFMG sem ter mérito, porque todos passam por um processo de seleção. O bônus não retira o mérito, mas busca resgatar a justiça social. Não partirmos do pressuposto de que todos têm as mesmas possibilidades durante sua trajetória, porque isso não é verdade. Um aluno que estudou sete anos em escola pública e consegue 70% de pontos em nosso vestibular não tem as mesmas condições de outro que alcançou 80%, mas nunca precisou trabalhar, estudou em escola privada e contava com professor particular quando precisasse. O bônus oferece um incentivo para aquele candidato que se esforça tanto, que não chega por poucos pontos e que tem todo o direito de estar aqui na Universidade.

A inclusão é um quesito da excelência. Seremos muito bons se conseguirmos trabalhar eficientemente com alunos que não tiveram possibilidade de acesso a determinados conhecimentos e os levarmos a ter sucesso. Oferecer cursos para alunos que praticamente aprendem sozinhos é muito fácil. O desafio é incluir aquele que tem potencial e levá-lo a ter um percurso vitorioso aqui. Sob esse aspecto, o bônus é uma política inclusiva de grande importância, e a UFMG foi extremamente feliz há quatro anos quando a implantou, embora ela tenha exigido muito da Instituição.

Que tipo de exigências?

Tivemos que recrutar mais monitores e rever nossos programas, não para rebaixar nosso ensino, mas para adequá-lo. Estamos, por exemplo, estudando a possibilidade de oferecer – não necessariamente apenas para bonistas – uma disciplina de matemática zero, para nivelar o pessoal que passou no vestibular com nota ruim em matemática e que precisa desse conhecimento no curso de graduação. Queremos ampliar o alcance das disciplinas de línguas e produção de textos, hoje já oferecidas na modalidade a distância a um razoável número de estudantes. Estamos inovando, ao utilizar mecanismos como a educação a distância, para atingir mais alunos e propiciar a elevação do seu patamar de conhecimento. O enfrentamento desses desafios vai nos tornar melhores e mais criativos.

O que o estudo revela sobre a evasão?

Ela é menor entre os bonistas. Em termos gerais, a evasão na UFMG gira em torno de 6%. Quando analisados separadamente, percebemos que entre eles o índice de evasão é de 5,3%, e de 7,38% entre os não bonistas. Isso significa que os beneficiários do bônus não desistem com facilidade.

E quanto ao desempenho?

Ainda não temos dados, estamos pesquisando. Mas indicadores nacionais mostram que o desempenho dos alunos que entraram em diversas universidades por ações afirmativas é igual ou superior ao dos outros alunos.

Os estudos sugerem necessidade de mudanças na aplicação do bônus?

Três fatores têm agora efeito simultâneo: o bônus, o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) e o ingresso da UFMG no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Este último, em particular, tem exigido esforços de conciliação dessas três políticas, de maneira que o bônus não fique superdimensionado nem tenha seus efeitos anulados.