Ciência planejada *

Glaci Zancan **

o momento em que descobertas científicas inundam os meios de comunicação, é compreensível que os planejadores sonhem em deslanchar um sistema de C&T inovador e altamente eficiente em termos mercantis. Essa tentação é tanto mais marcante quando se sabe que o país cresceu e começa a aparecer no cenário internacional pela sua produção científica, ainda que patine na obtenção de produtos e serviços.

Como o desenvolvimento tecnológico é dispendioso, e as empresas na-cionais são de pequeno porte e sem tradição no processo de inovação competitiva, busca-se uma forma para alavancá-lo. Para isso, estão sendo destinados recursos provenientes de setores econômicos, uma forma inteligente de financiar a melhoria do patamar tecnológico das cadeias produtivas.

Para que a ciência seja preservada, foi concebido um novo modelo de fomento. Essa estratégia visa a concentrar recursos e reforços em um número limitado de núcleos de excelência, primeiro em escala nacional e, agora, em âmbito internacional, voltados para objetivos bem definidos. Com isso, os planejadores do novo modelo esperam obter resultados mais imediatos. Recursos humanos qualificados serão formados em instituições de ensino superior, transmissoras de conhecimentos gerados no exterior, ou em núcleos e institutos, onde a ciência de vanguarda deverá concentrar-se. Este modelo não guarda lugar para as universidades clássicas com a estrutura de ciência ampla e voltada para a formação de recursos humanos de alto nível e em todas as áreas do conhecimento. Essa concepção de desenvolvimento ignora a história da ciência.

As grandes descobertas que revolucionaram a vida do homem resultaram de respostas criativas a perguntas bem formuladas com a intenção de conhecer a natureza. Todas as descobertas importantes levam sempre à mesma constatação: as inovações nasceram da busca desinteressada do conhecimento e à margem do que era a idéia científica dominante. O exemplo da nova era genômica mostra que os formuladores da hipótese da dupla hélice do DNA, por exemplo, estavam preocupados em explicar como a célula se divide.

Quem descobriu que se podia cortar o DNA, estava apenas buscando entender como a bactéria se defende do vírus que a ataca. Ninguém estava preocupado em manipular o genoma para construir uma ovelha transgênica capaz de produzir proteínas terapêuticas, como uma proteína humana com ação anti-hemofílica.

A produção de conhecimentos novos está na base dos processos de pesquisa. A inovação tecnológica resulta do amadurecimento do conhecimento gerado e da capacidade de sua plena apropriação e se mede pelo instrumento de patentes, depositadas majoritariamente por empresas competitivas, quando resolvem aumentar o valor agregado de seus produtos.

Para inovar, a empresa deve investir em desenvolvimento e contar com pesquisadores em seus quadros profissionais. O pesquisador, no entanto, é formado em laboratórios, onde a ciência é praticada. O sucesso atual do desenvolvimento científico brasileiro deve-se à implantação da rede de programas de pós-graduação que, embora concentrada no Sudeste, cobre todo o território nacional. Ela forma os novos recursos humanos com capacidade para gerar inovações e difundi-las. Nossa massa crítica, medida por qualquer parâmetro, é ainda muito pequena para manter um desenvolvimento sustentável.

Os números divulgados pelo Banco Mundial - de 0,6 pesquisador por milhar da força de trabalho - estão abaixo dos índices de muitos países da América Latina. Levando-se tudo isso em conta, causa estranheza que o planejamento estratégico na área de C&T não tenha a formação de recursos humanos como prioridade. Sem dúvida, a fixação dos talentos para aumentar a capacidade instalada seria a melhor maneira de proteger os investimentos já feitos com a garantia de retorno em produtos e serviços a médio prazo.

Mas a descentralização de núcleos criativos seria a forma mais igualitária de distribuir a riqueza, pois esses grupos buscariam, através da reflexão crítica, encontrar soluções para os diversos problemas que afetam a população. A perda de talentos será inevitável se não houver uma clara política de aproveitamento dos egressos da pós-graduação.

Neste momento em que o Ministério da Ciência e Tecnologia conta com aumento dos recursos, é importante se ter em mente que eles não serão corretamente usados se o sistema das universidades públicas permanecer marginalizado. É nelas que está concentrado o parque de pesquisa do país, conforme demonstram todas as análises feitas. Preocupa a todos os envolvidos com atividades de pesquisa científica que a institucionalização da gerência desses novos recursos ainda esteja para ser feita.

A comunidade considera fundamental que o Conselho de Ciência e Tecnologia seja o órgão central de definição da política para essa área e que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, onde os recursos estão alocados, disponha de um conselho deliberativo, com a participação de representantes da sociedade. Essa condição integrou os debates no Congresso para aprovação dos fundos setoriais.

É preciso ter claro que as políticas públicas para as áreas de educação e ciência, inexplicavelmente dissociadas nos últimos anos, são instrumentos de ação a longo prazo, superando os limites temporais de governos. Disso não se pode abrir mão pela simples e boa razão de que é o futuro do país que está em jogo.

* Artigo publicado no Jornal da Ciência, de 19/3/2001

** Professora de bioquímica da Universidade Federal do Paraná e presidente da SBPC

 





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Nº 1311 - Ano 27 - 28.03.2001