Busca no site da UFMG




Nº 1323 - Ano 27 - 08.08.2001

A hora e a vez das bibliotecas digitais

Marcello Bax *

á três ou quatro anos, quando alguém se deparava com um
problema prático ou teórico, e precisava de algum tipo de informação, procurava um livro especializado, uma biblioteca, ou alguém que já tivesse passado por problema semelhante. Hoje, cada vez mais pessoas têm o privilégio de procurar informações em buscadores na Internet, pois os consideram mais rápidos e convenientes. Alguns já utilizam agentes digitais personalizados que percorrem as redes à procura de informações relevantes.

Pode-se dizer que hoje, sem risco de exagero, todo o conhecimento humano está disponível na Internet. Tem-se acesso a bibliotecas tradicionais, museus, universidades, agências de governo e indivíduos ao redor do mundo, sem restrições de espaço e tempo. Porém, ainda há muito a ser feito. Os buscadores atuais são baseados em algorítmos inventados há mais de duas décadas. Nenhum deles é capaz de encontrar áudio ou imagens pela descrição de seu conteúdo. Os problemas na busca da informação relevante na Web ainda são desencorajadores para a maioria das pessoas. Esta situação deverá, em breve, alterar-se bastante.

As bibliotecas tradicionais que conhecemos sempre desenvolveram e usaram técnicas diversas para organizar livros, periódicos e filmes, a fim de facilitar a busca de informações. Por trás de toda iniciativa de organização está o conceito de metadados, ou seja, dados sobre dados. A organização é possível graças a campos ou atributos específicos que descrevem os itens do acervo. Estas técnicas podem ser utilizadas na Internet, e o seu uso efetivo possibilita a criação de bibliotecas digitais. A Web pode ser vista como uma biblioteca digital rudimentar em seu primeiro estágio ou versão.

Vale notar que a linguagem da Web, a HTML, foi originalmente desenvolvida com o objetivo de apresentar informações através de um Navegador (ou Browser), não sendo compreendida por programas como buscadores e outros agentes digitais. Isso faz com que estes programas enfrentem problemas para gerar seus índices, o que se reflete na falta de relevância das respostas trazidas ao usuário. Mas a Web evoluiu e HTML já aparece como uma linguagem limitada para fins de estruturação e organização semântica de informações. É necessário algo mais flexível que possibilite a representação de metadados, como nas bibliotecas tradicionais. Assiste-se então, em 1997, ao desenvolvimento de XML pelo W3C (ou WWW Consortium). XML representa um passo importante em direção à "web semântica" (cf. semanticweb.org).

As bibliotecas digitais prometem inúmeros e valiosos benefícios para a sociedade. O mais óbvio é o fim das restrições de espaço e tempo ao acesso à informação, além de contribuir para redução das desigualdades sociais e regionais. Quando o potencial das bibliotecas digitais estiver realizado, pela primeira vez na história poderemos ter acesso, de imediato, a qualquer conhecimento humano a partir de qualquer lugar. As novas bibliotecas digitais terão funcionalidades inexistentes nas bibliotecas tradicionais e, com isso, ampliarão o conceito de biblioteca. Elas acelerarão o desenvolvimento da ciência e tecnologia e aumentarão a qualidade de vida dos cidadãos. Muito mais veloz, a Internet de banda larga permitirá novos serviços e formas de conteúdo digital, como áudio e vídeo. Com o avanço das redes móveis, esta informação estará acessível de locais não conectados por fios.

Observa-se que o governo americano vem dando notável importância à criação de bibliotecas digitais e investe massivamente em pesquisas na área. Muitos dos atuais serviços na Web resultam de pesquisas do programa Digital Libraries Initiative (DLI), de 1994 a 1998. A segunda fase do programa DLI iniciou-se em 1998, e os investimentos saltaram de US$6 milhões para US$11 milhões por ano.

O Programa Sociedade da Informação, lançado no Brasil pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) para preparar a nova geração de redes, objetiva a evolução da Internet e suas aplicações no país. No âmbito deste programa, há o Projeto Bibliotecas Digitais Fust. Aplicações do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) serão dirigidas a serviços e à infra-estrutura de conexão à Internet. O projeto foi encaminhado pelo MCT ao Ministério das Comunicações em dezembro de 2000. Aguarda-se sua discussão pelos grupos de trabalho da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que definirão os planos de metas de cada programa.

Com sua excelência em várias áreas, a UFMG precisa se estruturar em torno de uma equipe interdisciplinar de pesquisadores da lingüística, cognição, computação e informação, dentre outras. Sem essa integração, a Universidade dificilmente conseguirá atingir seus objetivos mais profundos nessa área do conhecimento. Com o saber atomizado nas diversas unidades, não haverá organicidade adequada que contribua para o avanço das pesquisas na área. Urge que saibamos identificar na UFMG os possíveis focos de contribuição para a construção de modelos teóricos e práticos, pois o Brasil precisa acompanhar a evolução das bibliotecas digitais, tão fundamentais para seu desenvolvimento.

* Professor da Escola de Ciência da Informação