Busca no site da UFMG




Nº 1353 - Ano 28 - 13.06.2002

/ Luiz Carlos de Assis Rocha

"O Português precisa ser uma disciplina útil para as pessoas"

Juliano Paiva

o livro Gramática: Nunca Mais, que será lançado no próximo dia 18 pela Editora UFMG, o professor Luiz Carlos de Assis Rocha, da Faculdade de Letras, defende uma tese polêmica: a de que o estudo da gramática é "dispensável e até prejudicial" ao aluno que deseja dominar o Português-Padrão.

Nessa entrevista ao BOLETIM, Luiz Rocha diz que mais importante que memorizar regras gramaticais é o aluno aprender a interpretar textos, a extrair suas idéias centrais e a praticar a escrita. "Se um aluno não sabe construir um texto, não será a gramática que o ensinará a usar a língua-padrão", afirma.

BOLETIM _ O senhor está lançando um livro em que defende a abolição da gramática das aulas de Português. Só que, para chegar a essa conclusão, o senhor teve que estudar muita gramática...

Luiz Carlos de Assis Rocha_ É preciso considerar o seguinte: sou professor de Português. Dei aula durante muitos anos, inclusive em escola pública, e acho que o professor de Português precisa aprender gramática. Você pode até perguntar: "Mas, se o professor de Português não ensina gramática para os alunos, para que ele vai estudar gramática?". Dou a resposta com um exemplo: um dermatologista precisa estudar muito para se tornar um especialista em doenças e tratamento da pele. Mesmo que, em algumas consultas, ele apenas receite um creme ou sugira ao paciente que não se exponha excessivamente ao sol ou tome cuidado com a alimentação. Até para prescrever soluções simples, ele precisa ter ido fundo ao assunto. O mesmo raciocínio vale para o professor de Português. Agora, para quem faz um curso técnico em eletrônica, em enfermagem, em mecânica...

B _ Essas pessoas não precisariam saber mesóclise, próclise, ênclise...

LCAR _ Isso mesmo. Próclise, mesóclise, ênclise, oração coordenada, subordinada e subordinada temporal são conceitos que não precisam ser dominados por não-especialistas em Língua Portuguesa. Nem jornalista precisa saber isso. Ele tem que saber escrever bem e dominar a língua-padrão.

B _ Qual a diferença entre saber a língua-padrão e dominar a gramática?

LCAR _ Esse é um ponto importante, que gera muita confusão entre as pessoas. O jornalista precisa fazer uma reportagem, o advogado, uma petição, e o engenhei ro, um relatório. Isso é usar a língua-padrão. Pergunte a um jornalista ou a um advogado se ele sabe gramática. Ninguém sabe gramática. Percorra algumas escolas de Belo Horizonte e descobrirá que vários professores deixaram de ensinar a gramática. Às vésperas de uma prova, o aluno decora algum tópico, faz o teste no dia seguinte e uma semana depois já esqueceu tudo.

B _ Então o segredo é saber usar o Português no dia-a-dia?

LCAR _ Isso! O professor tem que preparar o aluno para usar um Português mais caprichado. O meu livro, por exemplo, traz vários exercícios práticos de uso da língua-padrão. O aluno deve ler textos, interpretá-los, discutir suas idéias com o professor e escrever muito. Agora, não dá para fazer isso explicando o que é sujeito, predicado, verbo transitivo. O aluno não vai aprender, porque gramática é uma coisa muito difícil e sem lógica.

B _ Como sem lógica?

LCAR _ É possível apontar várias contradições nas gramáticas. Na aula de Português, fala-se sobre sujeito, mas a definição de sujeito é uma coisa problemática. O que é o sujeito? É aquele que pratica a ação, dizem algumas gramáticas. Mas se você fala: "o meu braço quebrou", na verdade, o braço não quebrou, o braço foi quebrado, mas os professores vão dizer que braço é o sujeito da oração. Outra falha das gramáticas: até hoje não há uma boa definição de substantivo. Várias delas dizem que o substantivo é uma palavra que se refere a um ser. O que são seres? Para mim, são pessoas, entes. A palavra consideração é um ser? Não é, mas a gramática a classifica como substantivo.

B _ A Língua Portuguesa anda muito maltratada pelo uso de modismos lingüísticos, como o "gerundismo". O que o senhor acha disso?

LCAR _ Acho exageradas as críticas às novas maneiras de se usar a Língua Portuguesa. Os jovens não falam como seus pais e avós. Quantos termos do futebol já não foram consagrados pela língua? Essa história de língua pura e bela é bobagem. Dia desses, vi a Bibi Ferreira num programa de televisão dizendo que o Português de Portugal é a verdadeira língua portuguesa. Será que os 170 milhões de brasileiros não falam a verdadeira língua portuguesa? A língua evolui e ganha novos contornos.

B _ A sua cruzada contra a gramática encontra muitos adeptos?

LCAR _ Há vários livros e professores que criticam a gramática. Só que, na prática, muitos não conseguem se livrar dela. Não basta só dizer que a gramática é ruim. É preciso apontar um método que a substitua. No meu livro, apresento um método. Como o título do livro é Gramática: Nunca Mais, resolvi fazer uma brincadeira, batizando o método com as iniciais GNM.

B _ O Vestibular da UFMG, que não se prende à gramática na prova de Língua Portuguesa, segue a linha proposta pelo senhor?

LCAR _ Sou favorável à linha adotada pela UFMG. O importante é saber interpretar as idéias centrais de um texto e redigir. Se um aluno não sabe fazer uma concordância, uma regência, enfim, construir um texto, não será a gramática que o ensinará a usar a língua-padrão. É necessário que o aluno veja o estudo do Português como algo prazeroso. O Português tem que se tornar uma disciplina útil.