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Nº 1368 - Ano 28 - 26.09.2002

 

 

CNPq e MCT

 
Denis Lerrer Rosenfield *

ão podemos esquecer que o CNPq já foi um dos maiores símbolos da pesquisa entre nós, quando, agora, parece estar sendo sucateado.

A julgar pelos discursos dos responsáveis do Ministério da Ciência e Tecno- logia (MCT), os resultados nessa área seriam estrondosos.

O Brasil estaria prestigiando a ciência e a tecnologia em um mundo que conta, cada vez mais, com o conhecimento como um fator central do desenvolvimento econômico. Para um leitor desatento, acostumado com o sabor das palavras, ficaria a impressão de que vivemos, como diria Leibniz, no melhor dos mundos possíveis.

A realidade, no entanto, resiste a essas injunções discursivas, cujo propósito é eminentemente político, no sentido pejorativo do termo. De nada adianta tentar convencer a comunidade científica e tecnológica com belas palavras se essas não condizem com a realidade. Depois de vários anos de agruras, essa comunidade se tornou sensível a discursos que tudo prometiam, como se equívocos passados estivessem enfim sendo superados.

A paciência, no entanto, tem limites, se o objetivo consistia apenas em nada fazer novamente ou propor soluções que não se verificam verdadeiras. O mínimo que se pode dizer é que falta coerência ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Promessas não cumpridas não pavimentam o caminho do conhecimento.

Um grupo de elite da pesquisa científico-tecnológica do país, abrigado, por seus méritos, no Programa de Apoio a Núcleos de Excelência (Pronex), dirigiu uma carta ao presidente da República e ao ministro da Ciência e Tecnologia, reclamando da ausência de recursos e da falta de processos de renovação dos projetos existentes.

No dizer dos signatários, "causa profunda perplexidade a constatação de que o governo federal simplesmente deixou de honrar os contratos assinados com parcela tão significativa da comunidade científica nacional. No caso da maioria dos projetos, os recursos financeiros referentes ao ano de 2001 foram transferidos pela metade, ou pouco mais. No corrente ano, os repasses foram insignificantes".

Quando tanto se fala na necessidade de honrar os contratos, o próprio governo não faz aquilo que apregoa necessário para todos os postulantes à Presidência da República. A situação é inquietante, pois ela atinge o cerne da pesquisa em nosso país.

Laboratórios e centros de pesquisa são obrigados a trabalhar em marcha lenta num mundo de pesquisa que funciona em alta velocidade. Novos equipamentos não são comprados, o que faz com que terminemos por perpetuar o nosso atraso, quando temos hoje um material humano de alta qualidade que não é convenientemente aproveitado. A atual política parece ser a de afugentar os nossos melhores cérebros para o exterior.

Infelizmente, não se trata de um problema ocasional, resultado de nossa última crise financeira. As verbas do CNPq, em valores reais, têm sofrido uma sensível diminuição nos últimos anos.

De uma agência pensada para fomentar a pesquisa, ela se tornou, pela política atual, uma instituição que apenas fornece bolsas e, mesmo assim, com dificuldades no cumprimento dessa função básica.

A sua finalidade fundamental, além da concessão de bolsas, residia no fomento à pesquisa. Ora, essas verbas de fomento são hoje insignificantes.

Vejamos o que dizem os nossos pesquisadores:

"O CNPq, agência que durante tantas décadas tem desempenhado papel de liderança na concepção e aplicação das políticas de fomento à produção científica no país, encontra-se em situação financeira aflitiva, ameaçado de interromper o pagamento de bolsas e de cessar o atendimento às demandas mais rotineiras dos pesquisadores. Já há `contingenciamento' de verbas até mesmo nos institutos do MCT, fundos setoriais e Institutos do Milênio, iniciativas mais recentes alardeadas com o mesmo estrondo outrora dedicado ao Pronex".

Independentemente de quem seja o próximo presidente da República, fica o seguinte ensinamento para os candidatos: não sigam a prática do MCT, pois ela é daninha para o desenvolvimento nacional. Devemos aprender fazendo diferentemente.

* Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia da UFRGS e ex-diretor do CNPq. Artigo publicado originariamente no Correio Braziliense, de 13 de setembro de 2002.