A falta que o Estado faz
Dissertação analisa os benefícios da filosofia
do welfare state, esvaziada nas últimas décadas pelo
neoliberalismo
Murilo Gontijo
ona Barbárie bate à porta. Depois de anos
de articulações político- ideológicas que emperraram
o welfare state em todo o mundo, estamos diante da fera. Para driblá-la,
é preciso, ao mesmo tempo, criar mecanismos mundiais de regulação
do mercado, que hoje não conhece fronteiras, e promover a incorporação
dos excluídos à ordem social democrática. Diagnóstico
e receita estão em dissertação defendida no mestrado
em Ciência Política da Fafich por Cristiane de Castro e Almeida.
Concebido na Europa Ocidental depois da Segunda Guerra Mundial,
o welfare state*,
de acordo com a pesquisadora, é instrumento de igualdade social. "Durante
30 anos, ele corrigiu os efeitos das desigualdades produzidas pelo capital,
mas a ascensão da política neoliberal restringiu os investimentos
sociais e nos pôs diante de um quadro bastante preocupante", adverte
Cristiane de Castro. O pior, segundo ela, é que o neoliberalismo não
conseguiu propor saídas confiáveis para os sobressaltos capitalistas
que envernizaram as idéias liberais depois da crise do petróleo
dos anos 70. "O sucesso neoliberal é ideológico. O Estado
não é o vilão, como advogam as políticas do Fundo
Monetário Internacional e o senso comum", diz.
Para
a pesquisadora, o welfare state é a solução histórica
mais bem-sucedida de construção de uma convivência estável
entre o capitalismo e a democracia. Ela argumenta que a pretensa crise do
Estado de bem-estar social era endógena, ligava-se ao seu funcionamento.
"As críticas derivam do próprio sucesso do welfare state.
Diziam, por exemplo, que ele massificava", frisa. A cientista política
ressalta ainda que as gerações que não conheceram as
deficiências geradas pelo mercado tendem a ter mais dificuldade de reconhecer
valor no bem-estar promovido pelas políticas de Estado. "Eles
não conheceram cenários diferentes e estão acostumados
a um padrão de vida mais confortável". Atenta ao conceito,
Cristiane ressalta que o welfare state não se confunde com políticas
sociais, apenas. "Isso porque ele deve gerar autonomia do cidadão
frente ao Estado, pelo menos em provisões essenciais", argumenta.
Foi o que ocorreu nos países escandinavos, por exemplo.
Caso brasileiro
O Brasil? Bem, o Brasil é outro caso. "Não
há welfare state no Brasil. O que temos aqui são políticas
sociais extremamente precárias e restritivas", diz a pesquisadora.
De acordo com a cientista política, o welfare state vincula-se
diretamente aos direitos de cidadania. "Os direitos sociais não
podem transformar as pessoas em cidadãos de segunda classe, como acontece
no Brasil, onde quem depende do Estado pode morrer esperando assistência",
diz a pesquisadora, que se mostra cética quanto à capacidade
das reformas constitucionais de alterar este cenário sombrio. Ela observa
que os ricos brasileiros não demonstram disposição para
contribuir com a incorporação dos excluídos à
sociedade.
Dissertação: Cidadania e bem-estar:
formação histórica e fundamentos teóricos do welfare
state moderno
Autora: Cristiane de Castro e Almeida
Banca: Bruno Pinheiro Wanderley Reis (orientador), Carlos Aurélio
Pimenta de Faria (PUC/MG) e Eduardo Meira Zauli (DCP/UFMG)
Unidade: Departamento de Ciência Política da Fafich
Defesa: 10 de setembro de 2003
*A literatura acadêmica oscila quanto
à definição de welfare state. Não existe,
segundo Cristiane de Castro, um conceito firmado. Por isso, ela aponta a necessidade
de uma definição mais criteriosa para o termo. "Precisamos
criar um índice que meça as variações de welfare,
deixando claro o que ele é e o que não é", advoga.
É possível, entretanto, afirmar que o welfare state pressuponha
a idéia de que o Estado deve ser provedor de condições
mínimas consideradas direitos dos cidadãos. Casos da saúde
e da educação.