Busca no site da UFMG




Nº 1410 - Ano 29 - 02.10.2003


A falta que o Estado faz

Dissertação analisa os benefícios da filosofia do welfare state, esvaziada nas últimas décadas pelo neoliberalismo

Murilo Gontijo

 

ona Barbárie bate à porta. Depois de anos de articulações político- ideológicas que emperraram o welfare state em todo o mundo, estamos diante da fera. Para driblá-la, é preciso, ao mesmo tempo, criar mecanismos mundiais de regulação do mercado, que hoje não conhece fronteiras, e promover a incorporação dos excluídos à ordem social democrática. Diagnóstico e receita estão em dissertação defendida no mestrado em Ciência Política da Fafich por Cristiane de Castro e Almeida.

Concebido na Europa Ocidental depois da Segunda Guerra Mundial, o welfare state*, de acordo com a pesquisadora, é instrumento de igualdade social. "Durante 30 anos, ele corrigiu os efeitos das desigualdades produzidas pelo capital, mas a ascensão da política neoliberal restringiu os investimentos sociais e nos pôs diante de um quadro bastante preocupante", adverte Cristiane de Castro. O pior, segundo ela, é que o neoliberalismo não conseguiu propor saídas confiáveis para os sobressaltos capitalistas que envernizaram as idéias liberais depois da crise do petróleo dos anos 70. "O sucesso neoliberal é ideológico. O Estado não é o vilão, como advogam as políticas do Fundo Monetário Internacional e o senso comum", diz.

Para a pesquisadora, o welfare state é a solução histórica mais bem-sucedida de construção de uma convivência estável entre o capitalismo e a democracia. Ela argumenta que a pretensa crise do Estado de bem-estar social era endógena, ligava-se ao seu funcionamento. "As críticas derivam do próprio sucesso do welfare state. Diziam, por exemplo, que ele massificava", frisa. A cientista política ressalta ainda que as gerações que não conheceram as deficiências geradas pelo mercado tendem a ter mais dificuldade de reconhecer valor no bem-estar promovido pelas políticas de Estado. "Eles não conheceram cenários diferentes e estão acostumados a um padrão de vida mais confortável". Atenta ao conceito, Cristiane ressalta que o welfare state não se confunde com políticas sociais, apenas. "Isso porque ele deve gerar autonomia do cidadão frente ao Estado, pelo menos em provisões essenciais", argumenta. Foi o que ocorreu nos países escandinavos, por exemplo.

Caso brasileiro

O Brasil? Bem, o Brasil é outro caso. "Não há welfare state no Brasil. O que temos aqui são políticas sociais extremamente precárias e restritivas", diz a pesquisadora. De acordo com a cientista política, o welfare state vincula-se diretamente aos direitos de cidadania. "Os direitos sociais não podem transformar as pessoas em cidadãos de segunda classe, como acontece no Brasil, onde quem depende do Estado pode morrer esperando assistência", diz a pesquisadora, que se mostra cética quanto à capacidade das reformas constitucionais de alterar este cenário sombrio. Ela observa que os ricos brasileiros não demonstram disposição para contribuir com a incorporação dos excluídos à sociedade.

Dissertação: Cidadania e bem-estar: formação histórica e fundamentos teóricos do welfare state moderno
Autora:
Cristiane de Castro e Almeida
Banca:
Bruno Pinheiro Wanderley Reis (orientador), Carlos Aurélio Pimenta de Faria (PUC/MG) e Eduardo Meira Zauli (DCP/UFMG)

Unidade:
Departamento de Ciência Política da Fafich
Defesa:
10 de setembro de 2003

*A literatura acadêmica oscila quanto à definição de welfare state. Não existe, segundo Cristiane de Castro, um conceito firmado. Por isso, ela aponta a necessidade de uma definição mais criteriosa para o termo. "Precisamos criar um índice que meça as variações de welfare, deixando claro o que ele é e o que não é", advoga. É possível, entretanto, afirmar que o welfare state pressuponha a idéia de que o Estado deve ser provedor de condições mínimas consideradas direitos dos cidadãos. Casos da saúde e da educação.