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Nº 1440 - Ano 30 - 27.5.2004


O riso dourado do
embaixador de Nepomuceno

João Amílcar Salgado lança livro de memórias em que
resgata casos dos anos dourados

Patrícia Azevedo

e família rica, nascido no interior de Minas na década de 30, estudante de medicina da UFMG. O que mais poderia querer? Sempre o primeiro da turma, João Amílcar Salgado tinha tudo para se tornar um médico conservador ou no mínimo conformado com sua situação. Ledo engano. As paredes do Centro de Memória da Medicina, criado por ele, revelam seu espírito contestador. Elas abrigam retratos da sua turma da faculdade, de grandes médicos e amigos, de figuras históricas – Che Guevara, Copérnico, Galileu – e até do presidente Lula. “Os grandes revolucionários da história eram médicos”, brinca João Amílcar Salgado.

Desde os tempos de escola, João Amílcar não se prendeu ao rótulo de “menino prodígio”. Pelo contrário: com o prestígio e o reconhecimento que conquistou, ele tinha liberdade para questionar os professores e quem mais o elogiava. “Quem é aplaudido tende a concordar com quem faz os elogios. É uma situação confortável. Eu fazia o contrário”, afirma o professor.

Sobre os tempos de estudante na UFMG, João Amílcar afirma que a pecha de “filhinhos de papai” atribuída aos estudantes de Medicina não se aplicava às turmas da época. “As de hoje são mais conservadoras. Apesar da rigidez do sistema de cátedras, a escola de Medicina era o foco das mudanças. Participávamos de passeatas, debates. O primeiro encontro da UNE que pedia a redemocratização ocorreu aqui; o primeiro texto modernista está na revista da Medicina. Erámos a vanguarda. Grandes nomes, como Pedro Nava, saíram daqui”, lembra.

Como professor da Faculdade de Medicina, Amílcar sempre foi um dos maiores entusiastas do Internato Rural. Em tom irreverente, ele diz que a maior contribuição da iniciativa foi permitir que os alunos ficassem bem longe dos professores. Além de médico e cientista, João Amílcar é respeitado por suas reflexões sobre o ensino médico. Ele condena o modelo que preconiza estágios somente no fim do curso, depois que toda a parte teórica foi vista. “É na prática que se compreende o conteúdo”, ensina.

Herança

A irreverência e o gosto pela Medicina e pelo ensino não surgiram num estalar de dedos. João Amílcar carrega muito de sua família e de sua cidade, Nepomuceno, no Sul de Minas Gerais. Cresceu na farmácia do pai, João Salgado Filho, que também era professor e poeta. Lá adquiriu seus primeiros conhecimentos sobre remédios e doenças, que mais tarde o levaram a cursar Medicina. E o aprendizado na farmácia não se limitou à área da saúde. Atrás do balcão, entre um cliente e outro, João Amílcar presenciou muitas peças que o pai e seus amigos pregavam nos moradores da cidade, o que contribuiu para desenvolver seu inconfundível estilo brincalhão.

Parte das histórias do professor está reunida no livro O riso dourado da vila, lançado recentemente, e que reúne histórias e idéias narradas com a irreverência típica de João Amílcar. Segundo ele, o gosto pela escrita e a vontade de registrar e preservar os acontecimentos são típicas do médico mineiro. “Todo médico também é um pouco escritor. Pedro Nava é um exemplo”, afirma Amílcar, que imprimiu um tom humorístico às suas memórias. “Queria mostrar o lado alegre da vida. E tive a sorte de meus tempos de colégio e faculdade coincidirem com a era JK, os chamados anos dourados. Por isso concentrei meus relatos nesse período”, explica. Seu livro descreve o cenário das repúblicas estudantis da época e revela preciosidades do anedotário escolar. Além disso, João Amílcar formula a curiosa teoria de que Nepomuceno é o umbigo do mundo. “Não é Nepomuceno que imita o mundo. O mundo é que imita Nepomuceno”, conclui.

Foto (de Eber Faioli): José Amílcar: irreverência e espírito contestador