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O riso dourado do
embaixador de Nepomuceno
João Amílcar Salgado lança livro de
memórias em que
resgata casos dos anos dourados
Patrícia Azevedo
e
família rica, nascido no interior de Minas na década de 30,
estudante de medicina da UFMG. O que mais poderia querer? Sempre o primeiro
da turma, João Amílcar Salgado tinha tudo para se tornar um
médico conservador ou no mínimo conformado com sua situação.
Ledo engano. As paredes do Centro de Memória da Medicina, criado
por ele, revelam seu espírito contestador. Elas abrigam retratos
da sua turma da faculdade, de grandes médicos e amigos, de figuras
históricas – Che Guevara, Copérnico, Galileu –
e até do presidente Lula. “Os grandes revolucionários
da história eram médicos”, brinca João Amílcar
Salgado.
Desde os tempos de escola, João Amílcar não se prendeu
ao rótulo de “menino prodígio”. Pelo contrário:
com o prestígio e o reconhecimento que conquistou, ele tinha liberdade
para questionar os professores e quem mais o elogiava. “Quem é
aplaudido tende a concordar com quem faz os elogios. É uma situação
confortável. Eu fazia o contrário”, afirma o professor.
Sobre os tempos de estudante na UFMG, João Amílcar afirma
que a pecha de “filhinhos de papai” atribuída aos estudantes
de Medicina não se aplicava às turmas da época. “As
de hoje são mais conservadoras. Apesar da rigidez do sistema de cátedras,
a escola de Medicina era o foco das mudanças. Participávamos
de passeatas, debates. O primeiro encontro da UNE que pedia a redemocratização
ocorreu aqui; o primeiro texto modernista está na revista da Medicina.
Erámos a vanguarda. Grandes nomes, como Pedro Nava, saíram
daqui”, lembra.
Como professor da Faculdade de Medicina, Amílcar sempre foi um dos
maiores entusiastas do Internato Rural. Em tom irreverente, ele diz que
a maior contribuição da iniciativa foi permitir que os alunos
ficassem bem longe dos professores. Além de médico e cientista,
João Amílcar é respeitado por suas reflexões
sobre o ensino médico. Ele condena o modelo que preconiza estágios
somente no fim do curso, depois que toda a parte teórica foi vista.
“É na prática que se compreende o conteúdo”,
ensina.
Herança
A irreverência e o gosto pela Medicina e pelo ensino não surgiram
num estalar de dedos. João Amílcar carrega muito de sua família
e de sua cidade, Nepomuceno, no Sul de Minas Gerais. Cresceu na farmácia
do pai, João Salgado Filho, que também era professor e poeta.
Lá adquiriu seus primeiros conhecimentos sobre remédios e
doenças, que mais tarde o levaram a cursar Medicina. E o aprendizado
na farmácia não se limitou à área da saúde.
Atrás do balcão, entre um cliente e outro, João Amílcar
presenciou muitas peças que o pai e seus amigos pregavam nos moradores
da cidade, o que contribuiu para desenvolver seu inconfundível estilo
brincalhão.
Parte das histórias do professor está reunida no livro O
riso dourado da vila, lançado recentemente, e que reúne
histórias e idéias narradas com a irreverência típica
de João Amílcar. Segundo ele, o gosto pela escrita e a vontade
de registrar e preservar os acontecimentos são típicas do
médico mineiro. “Todo médico também é
um pouco escritor. Pedro Nava é um exemplo”, afirma Amílcar,
que imprimiu um tom humorístico às suas memórias. “Queria
mostrar o lado alegre da vida. E tive a sorte de meus tempos de colégio
e faculdade coincidirem com a era JK, os chamados anos dourados. Por isso
concentrei meus relatos nesse período”, explica. Seu livro
descreve o cenário das repúblicas estudantis da época
e revela preciosidades do anedotário escolar. Além disso,
João Amílcar formula a curiosa teoria de que Nepomuceno é
o umbigo do mundo. “Não é Nepomuceno que imita o mundo.
O mundo é que imita Nepomuceno”, conclui.
Foto (de Eber Faioli): José Amílcar: irreverência e espírito contestador