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Nº 1454 - Ano 30 - 16.9.2004


O último dos modernistas

Dissertação da Fale analisa obra de José Paulo Paes

Patrícia Azevedo


João Paulo Paes: poesia em pílulas
Foto: Cult - Revista Brasileira de Literatura

m sua poesia, José Paulo Paes costumava dizer muito com pouquíssimas palavras, como ilustram os poemas espalhados nesta página. Difícil será escrever, em algumas linhas, sobre o poeta, que também foi químico industrial, ensaísta, crítico literário, traduziu obras para oito idiomas, lecionou na USP e se destacou no cenário intelectual brasileiro. Mas foi justamente a multiplicidade do poeta _ a mesma que testa o poder de síntese da repórter _ que levou o jornalista Maurício Guilherme Silva Júnior a fazer de Paes o tema de sua dissertação de mestrado, defendida em maio deste ano junto ao Programa de Pós-Graduação da Fale.

Descartes e o computador

Você pensa que pensa
ou sou eu quem pensa
que você pensa?

"Sempre gostei da linha humanista, da linguagem curta e direta de José Paulo Paes. Mas o interessante é que ele não se restringiu a produzir poesia. Através de ensaios e criticas literárias, o poeta revela-se, acima de tudo, grande pensador da cultura", justifica. E foi nos jornais e revistas que Maurício Silva Júnior buscou material para desenvolver sua pesquisa. Notas introdutórias escritas nos livros traduzidos também foram boas fontes de informações e revelaram muito do pensamento do autor. Dessa forma, foi possível traçar uma trajetória bibliográfico-literária e, ao mesmo tempo, acumular conhecimento para analisar o último e derradeiro livro de José Paulo Paes, publicado em 2001, três anos após sua morte. "Li Socráticas e entendi que se tratava de um testamento poético e estético. Falar do último livro é, de certa forma, falar de toda sua vida", afirma o jornalista.


Skepsis

"Dois e dois são três", disse o louco.
"Não são não", berrou o tolo.
"Talvez sejam", resmungou o sábio.

Cercado de livros, José Paulo Paes nas ceu em 1926, em Taquaritinga, interior de São Paulo. Mas o gosto pela literatura só foi despertado anos mais tarde, quando mudou-se para Curitiba e passou a conviver com artistas e intelectuais da cidade. "No início, ele se espelha em grandes nomes como Drummond, Manuel Bandeira e Murilo Mendes", afirma Maurício Júnior. No entanto, após puxão de orelhas dado por Drummond, a situação se modifica. Aconselhado a "abandonar o ar familiar" presente em seus poemas e a buscar uma poética própria, José Paulo Paes bebe em fontes que vão do concretismo ao modernismo. Sem vestir a camisa de determinado movimento ou se limitar a um único estilo, o autor parte para o experimentalismo, transformando-o em marca registrada de sua obra.

Cócegas no raciocínio

Mas depois de passar por vários estilos, o autor desenvolve uma linguagem própria ou fica mesmo pulando de galho em galho? A resposta é imediata. Três elementos, segundo Silva Júnior, marcam a obra de José Paulo Paes e o diferenciam de outros escritores: o epigrama, gênero clássico resgatado e reinventado pelo autor; o chiste, espécie de poema-piada; e a ironia. "Mas não é uma ironia sarcástica, de gozação. É uma ironia `doce', utilizada como denúncia social para apontar os absurdos do homem. O resultado é uma poesia que faz cócegas no raciocínio", analisa o jornalista. No caso de Socráticas , o próprio título já começou a instigá-lo. "Não estaria ali por acaso", brinca.

Anacronia

"- Desculpe: sou hétero"

Após analisar o testamento poético e estético do autor, o jornalista conclui que o título do livro não surgiu mesmo por acaso. Segundo ele, José Paulo Paes, assim como Sócrates, acreditava que as pessoas devem se conhecer primeiramente para então compreender o mundo. Como todas as obras do autor, Socráticas revela a constante preocupação em buscar novas formas de fazer poesia para tratar os mesmos problemas cotidianos da sociedade, como o espírito consumista e o capitalismo. "Devido à sua procura pelo novo e à temática de suas poesias, alguns pesquisadores o consideram o último dos modernistas", afirma.

Já no fim de sua vida e com a consciência tranqüila, José Paulo Paes não temia a morte, diz Maurício Silva Júnior. Faz de cada poema um alerta poético e convida as pessoas a abandonarem as certezas absolutas. "Mesmo próximo à última viagem, dedica-se, mais uma vez, à sábia brincadeira de transgredir a linguagem até que, socraticamente, ele seja capaz de disseminar a dúvida, a incerteza, a inexatidão", finaliza o jornalista.

Dissertação: Longo encontro com o poeta da brevidade: análise de Socráticas _ poemas, de José Paulo Paes

Defesa: 31/5/2004

Unidade: Faculdade de Letras

Orientador: Sérgio Alves Peixoto