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Nº 1454 - Ano 30 - 16.9.2004

 

 

Excelência científica e crescimento*

Jean-Pierre Férézou e Roberto Nicolsky **

 

ecentemente, uma análise intitulada The Scientific Impact of Nations, publicada por David A. King na revista científica inglesa Nature, teve ampla repercussão entre nós. O estudo mostrava que o Brasil é o 19 o de um grupo de 31 países que concentra mais de 98% dos artigos das publicações mais citadas, ou seja, faz parte da primeira divisão mundial de Ciência. Os demais 162 países com trabalhos científicos publicam menos de 2% do total. O Brasil passou de 0,84% dos artigos publicados em ciência e engenharia, no qüinqüênio 1993-1997, para 1,21%, em 1997-2001, o que representa um crescimento de 45% acima do desempenho mundial.

Apesar de algumas deficiências, o índice de citação de um artigo, ou seja, o número de vezes em que ele é mencionado por outros autores no mundo, constitui um critério reconhecido da qualidade do seu conteúdo científico. O índice de citações dos nossos artigos cresceu 39%. E o melhor: entre os "top" 1% mais citados, crescemos 72%.

São dados lisonjeiros para a nossa ciência. Mas nem por isso ganhamos uma medalha, pois vários países em desenvolvimento cresceram ainda mais. Entre eles, a China (incluindo Hong Kong) e a Coréia do Sul. E por que esse desempenho não correspondeu a um crescimento expressivo do nosso PIB no mesmo período? A resposta é que não é a ciência (a geração de conhecimentos), como muitos pensam, mas o domínio da tecnologia industrial (a competência no uso de conhecimentos para gerar inovações que tornem nossa indústria mais competitiva) que faz a economia crescer de modo sustentado e rápido, como mostram os países orientais.

E essa competência em inovação tecnológica não se mede por artigos: ela é internacionalmente medida pelas patentes concedidas no maior mercado, o norte-americano. Se computarmos os dados de registros de patentes no USPTO _ escritório de marcas e patentes dos EUA _ para os mesmos períodos, veremos que o avanço do nosso país foi mínimo, apenas 1%. Enquanto isso, as patentes da China e da Coréia do Sul cresceram, respectivamente, 32% e 76% no período, como resultado do foco na geração de inovações e na construção de tecnologias próprias para a sua produção.

Esse foco é mais notável na Coréia do Sul, onde o dispêndio em P&D (pesquisa e desenvolvimento) não-acadêmico é hoje cerca de 85% do total, mas já foi superior a 95%, nos anos 70, quando aquele país iniciou o seu esforço de crescimento. O resultado é que a Coréia do Sul registra 30 vezes mais patentes nos Estados Unidos do que nós. A grande surpresa, porém, é que, apesar do esforço desses países estar centrado em inovações nas empresas, o resultado que colhem é ainda melhor em artigos científicos, nos quais a China cresceu mais que nós e a Coréia do Sul, mais que o dobro.

Em citações, a China e a Coréia do Sul cresceram, respectivamente, duas e três vezes mais. Mas é nos artigos do grupo "top" 1% que essa vantagem se expressa melhor: a China alcança 125% de crescimento e a Coréia do Sul, 179%, mais de duas vezes e meia o nosso índice. A explicação para esse aparente paradoxo é simples: a geração própria de inovações estimula a ciência, na medida em que as indústrias inovadoras demandam pesquisadores para realizá-las e as Universidades os formam através da participação na pesquisa científica.

Na Coréia do Sul, quase 70% dos pesquisadores trabalham nas indústrias e em projetos industriais. Mas o resultado mais significativo é que, nesse ambiente, os artigos gerados têm foco nas inovações em desenvolvimento nas indústrias, o que resulta em muito mais objetividade. A conseqüência é uma presença mais expressiva entre os artigos científicos da área e, por isso, mais citações.

No Brasil isso também ocorre, pois, embora tenhamos 1,21% dos artigos científicos no cômputo geral, na área agrícola, onde temos a Embrapa investindo em tecnologia, esse percentual sobe para mais de 3%. Ou seja, a melhor maneira de a ciência crescer mais e alcançar excelência, sem deixar de atender as demandas da sociedade, é fomentar a inovação nas indústrias. Esse processo já se consolidou na Coréia do Sul e está em evolução na China. Entre nós, a política industrial, tecnológica e de comércio exterior anunciada pelo governo propõe-se a ter centro na inovação, o que já é um grande passo.

Para tanto, porém, precisamos de ações corajosas para pôr foco na inovação tecnológica na indústria, fazendo a economia crescer mais rapidamente, desenvolvendo mais e melhor a nossa ciência, sob pena de continuarmos apenas contabilizando os nossos artigos, num processo elitizante e estéril para o desenvolvimento econômico e social do país.

* Artigo publicado na Folha de S.Paulo , de 6 de setembro

** Jean-Pierre Férézou é químico e pesquisador licenciado do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique), na França. Roberto Nicolsky, físico, é professor da UFRJ e diretor-geral da Sociedade Brasileira Pró-Inovação Tecnológica.
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