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Nº 1455 - Ano 30 - 23.9.2004


Os hinos do Estado Novo

Dissertação da Fale revela participação ativa de Heitor Villa-Lobos no projeto político da Era Vargas

Maurício Guilherme Silva Jr.


Villa-Lobos: caráter exortativo
Fonte: Enciclopédia Abril

 

urante a chamada Era Vargas , de 1930 a 1945, o compositor Heitor Villa-Lobos esteve diretamente envolvido em projetos de educação musical da população brasileira, sempre sob os auspícios do governo Vargas. Apesar disso, a maioria das pesquisas acadêmicas sempre isentou o criador das Bachianas de ligação com a política e a ideologia do Estado Novo.

O pesquisador Melliandro Mendes Galinari lançou novas luzes sobre esse debate ao fazer uma análise semiológica de hinos selecionados ou compostos pelo maior nome da música clássica brasileira. A partir dessa "investigação", Galinari constatou o estreito vínculo de Villa-Lobos com o governo Vargas. Seus estudos culminaram na dissertação de mestrado defendida junto ao programa de pós-graduação em Estudos Língüísticos, da Faculdade de Letras.

Para compreender a atuação de Heitor Villa-Lobos na direção da Superintendência de Educação Musical e Artes (Sema), Melliandro estudou o "discurso" implícito nos versos dos hinos escolares adotados pelo Estado Novo. Essas músicas integravam o currículo do material didático da época, buscavam difundir a importância da ordem, da disciplina, da tolerância e da pré-disposição ao trabalho para a formação do bom cidadão. "Os hinos eram veiculados pelo rádio e até em colônias de férias. Eles eram cantados por multidões", afirma o pesquisador, graduado em Música pela UFMG.

Os hinos utilizados pela máquina do governo podem ser denominados "cantos orfeônicos", peças de estrutrura musical simples, sempre apresentadas em coro. "A disseminação do canto coletivo no país foi `regida' por Villa-Lobos, a quem coube a missão de organizar e planejar todas as atividades inerentes a essa prática", diz Melliandro Galinari. Ao coordenar nas escolas a difusão dos hinos, Villa-Lobos, devidamente cooptado, colaborava diretamente com o processo de comunicação entre Estado e povo. "O compositor não só colaborava com o governo. Ele representava o próprio Estado", diz.

Tom imperativo

A análise das letras presentes nos dez hinos escolhidos pelo pesquisador revelou a ampla incidência do modo imperativo da língua, expresso em terminologias como Marchemos . O estudo ressaltou, ainda, o caráter exortativo dos versos cantados pela população. A utilização por Melliandro do vocábulo "exortar", no caso, pode ser justificado pelo próprio significado da palavra: incitar, induzir, animar. "A exortação nos hinos se dá pelo uso de termos, expressões e verbos marcados pela tonalidade imperativa", diz. Segundo Galinari, trata-se de recurso estratégico capaz de tornar o interlocutor familiarizado com as vozes do comando. Além disso, é uma forma de incutir nas mentes o respeito à autoridade.

A pesquisa de Melliandro revela, portanto, que a participação de Villa-Lobos à frente do Sema atende aos propósitos de Vargas nos quesitos ideológico, político e de desenvolvimento industrial. "As letras dos hinos colaboram com a incorporação de valores pelo discurso. A linguagem é apreendida como algo indissociável de seu contexto socio-histórico, no qual ganha vida para satisfazer certas intenções dos sujeitos em interação", resume Melliandro Galinari.

Dissertação: Estratégias político-discursivas do Estado Vargas: uma análise semiolingüística dos hinos de Villa-Lobos

Autor: Melliandro Mendes Galinari

Orientador: Renato de Mello

Defesa: 3 de setembro, junto ao curso de pós-graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de Letras