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Nº 1455 - Ano 30 - 23.9.2004

 

 

Em busca dos culpados

Gustavo Paul*

 

"De quem é a culpa? Do Sarney, da situação, da oposição, do País, da passarela, do último disco do Barão Vermelho, de nós mesmos ou do atropelado?"

Era uma segunda-feira de setembro de 1988. Uma cena inusitada e macabra assustava quem chegava ao campus da Pampulha. Na rua jazia o corpo de um homem ensangüentado, tendo ao lado sua marmita, seu tênis e atrás o carro branco, manchado de sangue, que o atropelou. Com um boneco de gesso, a cena foi montada pelo artista plástico Jarbas Juarez, que queria levantar o debate sobre o problema do trânsito nas grandes cidades.

Ao longo de todo o dia o artista recolheu opiniões de quem passava: o que você acha da violência do trânsito? De quem é a culpa? Semanas depois, dezenas de fichas com as mais variadas respostas chegaram às minhas mãos. Me deram uma missão: leia tudo e faça uma matéria. Nunca havia feito nada parecido. Como transformar várias frases dispersas em um texto?

Aquela missão era, na verdade, um desafio. Sem saber ao certo o que fazer, reuni os comentários e tentei construir algo que pudesse resumir aquilo tudo, com leveza, ironia e, quem sabe, um pouco de humor. O resultado foi publicado na capa do BOLETIM na edição de 21 de outubro de 1988. Em destaque, a pergunta: "De quem é a culpa?".

Ainda no tempo da máquina de escrever e do telex, eu era um estudante da Fafich, localizada na rua Carangola, às vésperas da formatura. Naqueles tempos mágicos da vida universitária, o período em que fiz parte da equipe do BOLETIM foi fundamental para minha formação profissional. A missão de descobrir os culpados daquele atropelamento foi um dos vários desafios que encontrei entre 1987 e 1989.

Tive a sorte de ter sido o primeiro estagiário a ingressar na Coordenadoria de Comunicação Social (CCS) da UFMG. Em agosto de 1987, o editor-responsável do BOLETIM, Manoel Marcos Guimarães, queria criar uma integração, até então inédita, com o Departamento de Comunicação Social da Fafich, juntando "o acadêmico com o administrativo". Em outras palavras, o jornalista Manoelzinho sabia o quanto era importante os estudantes colocarem a mão na massa ainda durante o curso.

A UFMG estava completando 60 anos e o BOLETIM ganhava o formato que tem até hoje e a proposta de se consolidar como um reflexo, o mais aberto possível, do que acontecia na Universidade. Persistente e consistente, como lembrou o Manoel cinco anos atrás, o BOLETIM queria ser mais do que um "diário oficial".

Minha primeira pauta foi escrever reportagens sobre a história da Universidade. Virou uma coluna semanal chamada UFMG: um pouco de história . Em um ano, foram cerca de 40 reportagens. A primeira abordou o ato de criação da instituição, em 1927, tendo como inspiração uma imensa pintura a óleo que ocupava a ante-sala do reitor. Nela estão retratados os políticos, professores e intelectuais que acharam uma boa idéia ter uma universidade em Minas Gerais.

Cada semana trazia um desafio novo, na busca de novas histórias. Foi ali que conheci a angústia de não saber se conseguiria a matéria, nem se ela viria no prazo _ algo que depois descobri fazer parte do jornalismo. A receita era não desistir, procurar vários caminhos e alternativas. Percorri prédios, ouvi personagens de fatos passados e presentes. Fui aprendendo como se faz notícia.

Fatos inusitados surgiram. Os volumes da publicação História da UFMG , editados em 1971 pelo professor Eduardo Affonso de Moraes, me ajudaram a contar que, nos anos 30, por exemplo, se pensava em instituir uniformes e um código de ética para universitários.

Histórias esquecidas reapareceram. Em novembro de 1930, ainda sob efeito do fim da República Velha, um aluno de medicina foi assassinado em plena reu nião do Conselho Universitário. Os filhos do reitor Mendes Pimentel foram acusados do crime e a então UMG ficou fechada por um tempo.

Constatei logo as dificuldades que teria no jornalismo. Para contar outro episódio dramático da vida universitária, foi preciso uma negociação diplomática com seu principal personagem. O interventor militar designado para a UFMG em 1964, o tenente-coronel Expedito Orsi Pimenta, desconfiado, só concordou em conversar depois de uma troca de cartas com o meu chefe Manoel.

Neste contato diário com uma equipe inesquecível de colegas, revirando o passado e retratando o dia-a-dia da UFMG, colocava em prática a teoria da sala de aula. Formado, foi na CCS que consegui meu primeiro emprego. Hoje, olhando para trás, não tenho dúvida de que essa rica experiência definiu os rumos da minha vida profissional.

É gratificante ver que nesses anos todos o BOLETIM também cresceu: recebeu mais estudantes, se modernizou, está mais bonito e acessível ao mundo, via Internet. E o mais importante: ele permaneceu.

Mas, afinal, de quem é a culpa do caos do trânsito? Na época, um bilhete maroto, de autor desconhecido, matou a charada no BOLETIM: foram os insetos: "Os culpados são os artrópodes em geral, pois um inseto pode atrair a atenção do motorista fazendo com que este saia da sua rota e abrace carinhosamente um pedestre". Ou seja, na prática, a questão continua em aberto. Mas isso é outra história.

*Jornalista. Depois do estágio no BOLETIM, foi repórter do jornal Estado de Minas , da Revista Veja e atualmente trabalha na sucursal de O Estado de S. Paulo , em Brasília.


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