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Nº 1458 - Ano 31 - 14.10.2004


Zé, o militante da liberdade

Rafael Conde vai filmar trajetória de José Carlos da Mata Machado,
ex-estudante da UFMG morto pela ditadura

Maurício Guilherme Silva Jr.

ecife, 28 de outubro de 1973. Numa pequena cela policial, com o corpo definhado pela tortura, ele é reconhecido por estudantes de Medicina da Universidade Livre da Ilha do Leite. Aos 27 anos, aquele ex-aluno da Faculdade de Direito da UFMG, preso sob acusação de subversivo político, aproveita o encontro para deixar, a um dos futuros médicos, suas últimas palavras: "Eu sou José Carlos da Mata Machado, da Ação Popular Marxista-Leninista. Se você puder, se tiver oportunidade, diga aos companheiros que eu não abri nada."

A trajetória de vida do ex- estudante da Universidade, filho do jurista Edgar de Godói da Mata Machado, compõe o argumento do longa-metragem , a ser rodado em 2006 pelo cineasta Rafael Conde, professor da Escola de Belas-Artes da UFMG. A partir de roteiro já definido, escrito em parceria com Ana Flávia Rios Salles, as lentes de Conde pretendem misturar realidade e ficção para levar à telona parte dos acontecimentos da intensa vida de José Carlos, um dos quatro estudantes homenageados pela Universidade com monumento instalado em frente à Biblioteca Universitária.

Para escrever o roteiro do filme, o cineasta baseou-se no livro Zé Carlos da Mata Machado _ uma reportagem , do pesquisador Samarone Lima. O longa-metragem tratará da trajetória pessoal do estudante _ do momento em que deixa o presídio de Tiradentes, em São Paulo, onde ficara preso por oito meses, até o episódio de sua morte, na cidade do Recife (PE). "A história de Zé Carlos é até hoje muito comentada. Ao ler o livro de Samarone Lima, logo me interessei pela possibilidade de fazer o filme sobre a vida do estudante", conta o professor.

Produzido pelo Grupo Novo de Cinema, formado por mineiros que vivem no Rio de Janeiro, o longa começa a ser rodado em 2006. Rafael Conde ainda não sabe quem interpretará os personagens do filme. Adianta, apenas, que não se preocupará em encontrar alguém fisicamente parecido com José Carlos.

Além da trajetória do militante da Ação Popular, o cineasta pretende abordar a correspondência entre Zé e seu pai, Edgar, durante o período de clandestinidade. Também o romance entre o protagonista e sua companheira, Maria Madalena Prata Soares, aparecerá na telona. Eles se casam em 1970. Dois anos depois, nasce o único filho de Zé, Dorival Mata Machado.

Por trágica ironia da vida, o irmão de Madalena seria um dos principais responsáveis pelo assassinato de José Carlos. Um segredo revela do anos depois pelo próprio delator, Gilberto Prata, cunhado do estudante e ex-integrante da AP, que colaborou diretamente com os militares na identificação de antigos militantes da organização. A partir de 1973, com a ajuda de Gilberto, os passos do casal são rastreados por órgãos repressivos. Em conseqüência disso, diversos companheiros de luta acabam presos e mortos.

"Pai do Zé"

Nascido no Rio de Janeiro, em 1946, José Carlos Novaes da Mata Machado esteve sempre próximo às lutas e causas sociais. Aprovado em primeiro lugar no Vestibular do curso de Direito da UFMG, é um dos fundadores do Grupo de Alunos da Turma de 1964 (GAT-64), que exerceu grande influência política entre os estudantes. "Sua liderança foi-se consolidando até o ponto de seus colegas brincarem dizendo que José Carlos não era mais o `filho do professor Edgar', mas o professor é que se tornara `pai do Zé'", escreveu o irmão, Bernardo da Mata Machado, por ocasião dos 20 anos da morte do militante.

Em 1967, José Carlos é eleito presidente do Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP) e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Na época, já integrava os quadros da Ação Popular. Em outubro de 68, durante realização do 30 o Congresso da UNE , em Ibiúna (SP), acaba condenado a oito meses de prisão. Solto, parte para a luta clandestina. Preso em São Paulo, em 1972, o estudante passa por pesados interrogatórios e é transferido para a capital pernambucana. Após sua morte, no Recife, a família luta pelo direito de exumação e traslado do corpo para Belo Horizonte. Até hoje, uma série de dúvidas paira sobre os fatos que levaram o estudante à morte.

Legenda (foto 1): Zé Carlos: morte mal esclarecida
Foto: Acervo Projeto República

Legenda (foto 2): Conde: realidade e ficcção
Foto: Foca Lisboa