Busca no site da UFMG




Nº 1458 - Ano 31 - 14.10.2004

 

 

A arte como forma de educar

Rosemary Dore Soares*

raças a uma iniciativa da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG (PRPq), dirigida pelo pró-reitor José Aurélio Garcia Bergmann, através do programa Artista Visitante , a Faculdade de Educação foi contemplada com uma das duas bolsas oferecidas a artistas interessados em realizar projetos educativos na UFMG. O programa Artista Visitante é uma iniciativa das mais oportunas, pois permite à UFMG contar com o trabalho de profissionais de reconhecida qualificação artística, ainda que não tenham a titulação formal exigida pela academia.

Dois grupos de alunos e alunas daquela Faculdade participam da oficina Alfabetização ao desenho livre , dentro do Programa de Aprimoramento Discente (PAD) na área de Educação Infantil, coordenado pela professora Maria de Lourdes Rocha Lima, do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino (DMTE). O objetivo da oficina é promover o uso da arte como linguagem em educação, compartilhando a experiência e a mensagem acumuladas, em 45 anos de descobertas, pelo pintor, escultor, poeta, escritor e educador Pierre Marie Heijmans, em seu trabalho na Bélgica.

A experiência de Pierre foi tão bem- sucedida que seu nome passou a figurar em cinco importantes dicionários de pintores, editados na Bélgica e na França, bem como em numerosos artigos veiculados por jornais de vários países da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá, onde já exibiu seus trabalhos.

Indagado sobre qual é a sua língua materna, pois viveu muitos anos em Toronto, onde chegou ainda criança, Pierre afirma que não é o inglês, nem o flamengo, nem mesmo o francês. É o desenho. Considera o desenho a linguagem natural do ser humano. Em educação, é uma das mais atrativas ferramentas, oferecendo amplas possibilidades para a atividade interdisciplinar na escola. Essa é a idéia central do seu projeto Arte como forma de educar , através do qual a PRPq concedeu-lhe bolsa de Artista Visitante . Para ele, todo mundo é capaz de desenhar. Mas a educação que procura criar um conformismo a modelos culturalmente estabelecidos destrói a habilidade e o prazer da criação porque o sujeito é também padronizado.

O conformismo, e também a segregação entre artistas e não-artistas, começa quase no primeiro dia da escola, senão na primeira atividade artística feita em casa. Isso se deve, na maior parte das vezes, às atitudes dos pais, das mães e depois dos professores. Em lugar de estimular a criatividade das crianças, costumam impor suas próprias idéias sobre como a representação deveria ser. E mais: como deveria parecer para ser considerada bonita, em vez de tentar ler o que o desenho oferece como informação do desenhista.

Para Pierre, o mais importante é que o desenho seja vivo, sem truques, de acordo com as habilidades do desenhista, no nível em que se encontra em sua vida, seja criança, jovem ou adulto. A arte ajuda as pessoas a se expressarem, a compreenderem as outras pessoas e a verificarem, aumentarem e explorarem o conhecimento do mundo que as circunda.

Os estudantes que seguem a oficina de Arte na FaE/UFMG manifestam-se surpresos em descobrir que seus movimentos ficaram tolhidos e circunscritos a poucas ações gestuais em torno do lápis e da borracha. Agora, estão fascinados com a perspectiva de ampliar seus conhecimentos sobre o desenho e poder não apenas desenvolver essa ferramenta junto à educação infantil como também auxiliar outros professores a entenderem a sua importância na escola, até mesmo para a educação inclusiva, hoje tão difundida na Universidade. As "paulitas", Ana Paula Oliveira e Ana Paula Silva, alunas da turma U de Pedagogia, afirmam que estão encontrando na oficina valiosos subsídios para compreender a a arte como forma de conhecimento: "Nossas cabeças estão se abrindo. Estamos aprendendo muito".

Sob a influência da escola nova, movimento pedagógico que procura, desde a década de 30, adaptar a educação à vida urbana e industrial, houve um grande estímulo às atividades manuais, associadas ao desenvolvimento de capacidades para o trabalho produtivo. Essa tendência, reforçada na década de 50, levou o ensino de arte na escola a ser difundido como área das atividades manuais. Acabou prevalecendo a confusão entre arte e simples trabalhos manuais. Apesar de sucessivas críticas, ainda predomina na formação de professores um conceito equivocado, em decorrência do qual os trabalhos manuais, destituídos de uma dimensão criativa e artística, são considerados obras de arte. E isso, lamentavelmente, reproduz aquela educação conformista que destrói a criatividade das pessoas. A possibilidade da Faculdade de Educação ter um Artista Visitante com experiência internacionalmente reconhecida, como a de Pierre Heijmans, secundada pelo programa da Pró-Reitoria de Pesquisa da UFMG, contribui, sem dúvida, para superar o entendimento reducionista de que arte é mero trabalho manual.

*Professora de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação
Esta página é reservada a manifestações da comunidade universitária, através de artigos ou cartas. Para ser publicado, o texto deverá versar sobre assunto que envolva a Universidade e a comunidade, mas de enfoque não particularizado. Deverá ter de 4.000 a 4.500 caracteres (sem espaços) ou de 57 a 64 linhas de 70 toques e indicar o nome completo do autor, telefone ou correio eletrônico de contato. A publicação de réplicas ou tréplicas ficará a critério da redação. São de responsabilidade exclusiva de seus autores as opiniões expressas nos textos. Na falta destes, o BOLETIM encomenda textos ou reproduz artigos que possam estimular o debate sobre a universidade e a educação brasileira.