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Nº 1469 - Ano 31 - 20.1.2005


A presença de Laís

Editora UFMG lança inventário literário da poetisa Laís Corrêa de Araújo

Mauríco Gulherme Silva Jr.

m 1963, durante a Semana Nacional de Poesia de Vanguarda, realizada em Belo Horizonte, ela estava entre os intelectuais e artistas que compunham a mesa de abertura do evento. Momentos antes do início da solenidade, uma voz masculina, vinda da platéia, questiona: "Por que a Laís está aqui?" A perplexidade do curioso participante expressa bem a realidade dos tempos. Em ambiente ainda "dominado" pelos homens, causava espanto a presença constante da poeta, ensaísta, cronista e tradutora Laís Corrêa de Araújo, única mulher a integrar aquele que se con-figurou um dos mais importantes encontros literários de Minas Gerais.

Modernidade e coragem resumem com propriedade algumas das principais características das trajetórias profissional e pessoal de Laís. A boa-nova para os leitores brasileiros interessados em conhecê-la melhor está na edição, pela Editora UFMG, de Inventário _ 1951/2002, que reúne sete livros de poemas, escritos nos mais de 50 anos de carreira da autora. Com ensaio crítico da professora Maria Esther Macial, da Faculdade de Letras, a obra, que integra a coleção Inéditos e esparsos, reúne os livros Caderno de poesia, O signo, Cantochão, Decurso de prazo, Pé de página, Clips e o inédito Geriátrico.

Inventário refaz o percurso literário da intelectual que, muito à frente de seu tempo, dedicou-se com afinco ao desenvolvimento da literatura moderna nas Minas Gerais e consolidou sua poesia própria muito além das margens do rótulo. Como ressalta Maria Esther Maciel, no ensaio O pathos da lucidez _ a trajetória poético-intelectual de Laís Corrêa de Araújo , a escritora mineira jamais deixou de provocar estranhamento e inquietação: "Não bastasse sua atuação fora dos limites socialmente demarcados para as mulheres de seu tempo _ haja vista sua intensa militância também nos campos da crítica literária, da tradução e do jornalismo cultural, sempre a partir de uma perspectiva irônica e não-complacente _ a sua dicção poética nunca se confinou ao horizonte do que se convencionou chamar de poesia feminina", escreve a pesquisadora.

Organização

Os poemas que compõem o Inventário foram reunidos pelo literato Carlos Ávila, filho de Laís. "Ela estava com problemas de saúde e tive, então, a idéia de animá-la com a organização do livro", conta Ávila. A iniciativa deu resultado. Quando começava a preparar o material, Ávila foi surpreendido pela mãe que entregou-lhe uma coletânea de poemas inéditos, escritos à mão. "Trata-se de Geriátrico, incluído no Inventário, cujos poemas refletem sobre velhice, maturidade e a própria experiência existencial", detalha Carlos Ávila. Ele destaca a "receptividade" dos professores Eneida Maria de Souza e Wander Mello Miranda à idéia de publicar os livros reunidos. "Quando se edita a obra completa, tem-se a imagem total do autor. É possível perceber as fases pelas quais passaram o escritor, assim como identificar o crescimento da obra, o amadurecimento da expressão e de suas visões".

Trajetória

Mineira de Campo Belo, onde nasceu em 1928, Laís Corrêa de Araújo esteve sempre próxima aos movimentos de renovação literária no Brasil e no estado. Amiga do modernista Murilo Mendes, a quem, inclusive, dedicou um livro de ensaios, formou-se em Letras pela UFMG, onde recebeu, no ano 2000, o título de ex-aluna destaque, e em Filosofia, pela PUC-Minas. Casada com o escritor Afonso Ávila e considerada uma das principais personalidades femininas da poesia brasileira contemporânea, tornou-se conhecida nacionalmente pela profícua atividade de cronista na revista carioca O Cruzeiro e nos jornais O Estado de São Paulo e Estado de Minas.

Ao lado de Murilo Rubião e Ayres da Mata Machado Filho, fundou o Suplemento Literário de Minas Gerais , onde manteve a coluna Roda Gigante. Além dos livros de poemas reunidos em Inventário, Laís Corrêa de Araújo dedicou-se à literatura infanto-juvenil _ O Grande Bla-blá-blá, Maria & Companhia e Que Quintal! _ e à tradução de autores clássicos (Caderno de traduções).