Busca no site da UFMG




Nº 1469 - Ano 31 - 20.1.2005

 

 

Ignorância, o verdadeiro custo Brasil*

Gustavo Ioschpe**

gigantismo e a urgência de nossos problemas imediatos são tão avassaladores que não nos ocorre perguntar: se todos esses aparentes empecilhos ao nosso desenvolvimento _ juros, burocracia, falta de infra-estrutura _ subitamente desaparecessem, como estaríamos? A resposta, infelizmente, seria: mal. Mal educados, para ser mais exato.

Segundo a OIT (Organização Internacional do Trabalho), nossos trabalhadores produzem o equivalente a um quarto de seus colegas americanos ou escandinavos. Não por acaso. Costumamos ver nossa educação com bons olhos, orgulhando-nos da universalização do ensino fundamental ocorrida recentemente. O problema é que não estamos sozinhos nessa corrida. Basta lembrar, para ter a dimensão de nosso atraso, que nos países desenvolvidos essa questão já havia sido equacionada no começo do século passado.

Hoje, apesar de colocarmos as crianças na escola, não conseguimos transmitir a elas os conhecimentos básicos para que tenham uma vida digna, tanto em termos materiais como humanos. Os resultados do Saeb (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica) mostram mais da metade de nossas crianças em situação crítica ou muito crítica. Apenas um quarto dos brasileiros consegue ler uma simples notícia de jornal ou fazer uma pequena seqüência de cálculos aritméticos.

Quando olhamos alhures, fazemo-lo da rabeira. Ranking recente da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) coloca-nos em 87º lugar no item qualidade da educação. Em teste com países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) e outros 11 em desenvolvimento, ficamos em penúltimo lugar em ciências e último em matemática.

O que acontece é que temos um ensino tão ruim nos primeiros anos do nível fundamental que as crianças progridem aos trancos e barrancos. Acabam repetindo ano; algumas delas, várias vezes. Quando a distância entre a série ideal para a idade e aquela cursada é muito alta, a educação deixa de ser investimento no futuro e passa a ser perda de presente, e o aluno abandona a escola para entrar no mercado de trabalho.

Com o tempo, o funil vai se estreitando, até chegarmos ao ensino universitário. Enquanto mais da metade da população de idade universitária dos países desenvolvidos está no ensino superior, no Brasil estacionamos em 10%. Ou seja, um quinto. O elitismo que norteia nosso sistema educacional não era um grande problema há 50 anos, quando educação _ especialmente universitária _ era coisa de elite em todo o planeta e o planeta que importava era bem menor que o de hoje.

O tempo passou, a educação virou direito das massas e o mundo passou a contar com elefantes como China e Índia. O Brasil, em termos de capital humano, moveu-se a passo de cágado. Assim, adentramos a sociedade do conhecimento flertando com a inviabilidade: ricos demais para competir com os chineses e indianos destituídos e demasiado ignorantes para gerar uma economia capaz de se ombrear com os desenvolvidos em áreas de alto valor agregado.

Passou da hora de o país acordar e dar à educação a prioridade que merece. Inúmeras mudanças pontuais e esforços pessoais serão necessários, mas é indispensável também uma mudança sistêmica. Urge criarmos uma Lei de Responsabilidade Educacional, que estimule todos os governantes a se preocupar com a efetiva melhoria da qualidade da educação ofertada em sua região, assim como a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) os levou a cuidar do caixa. Há que se abandonar o mecanismo atual de transferência de recursos entre a União, estados e municípios, hoje baseado no critério da carência (quanto menos um Estado investe por aluno, mais dinheiro ele recebe do governo federal). Precisamos recompensar melhorias de qualidade.

A nova lei estabeleceria que os recursos a serem transferidos fossem proporcionais a avanços na educação dos entes federados, medida através de um índice objetivo e transparente que levasse em conta a diminuição das taxas de repetência e a melhoria da performance nos testes nacionais de educação. As cidades e estados que não evoluíssem em relação ao seu desempenho no ano anterior não receberiam nem um vintém.

Essa lei não apenas reorientaria os esforços dos governantes, focando-os nos fins (melhoria da qualidade), em vez dos meios (construção de escolas, concessão de uniformes etc.), como colocaria a questão da qualidade da educação na pauta de prioridades políticas.

Qualquer cidadão brasileiro terá condições de comparar sua região ao resto do Brasil e avaliar se o seu governante fez um bom trabalho ou não. Saberá também que o bom trabalho será recompensado com mais recursos, e vice-versa. Somente quando o desempenho educacional ajudar a determinar a popularidade _ leia-se elegibilidade _ de nossos políticos, a educação terá a atenção que merece.

Tal mudança, dentro de um contexto de outras medidas simples e igualmente impactantes, pode ter um grande efeito na transformação de nossa educação, da ferramenta de atraso e exclusão social _ que hoje ela é _ em elemento redutor de desigualdades e condutor do desenvolvimento nacional.

* Artigo publicado na Folha de S.Paulo , de 11 de janeiro

** Mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade de Yale (EUA)

Esta página é reservada a manifestações da comunidade universitária, através de artigos ou cartas. Para ser publicado, o texto deverá versar sobre assunto que envolva a Universidade e a comunidade, mas de enfoque não particularizado. Deverá ter de 4.000 a 4.500 caracteres (sem espaços) ou de 57 a 64 linhas de 70 toques e indicar o nome completo do autor, telefone ou correio eletrônico de contato. A publicação de réplicas ou tréplicas ficará a critério da redação. São de responsabilidade exclusiva de seus autores as opiniões expressas nos textos. Na falta destes, o BOLETIM encomenda textos ou reproduz artigos que possam estimular o debate sobre a universidade e a educação brasileira.