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Nº 1485 - Ano 31 - 26.5.2005


"O governo do PT é antitrabalhador"

Maurício Guilherme Silva Júnior

m dos intelectuais que ajudaram a fundar o PT, há 25 anos, o sociólogo Francisco de Oliveira, da USP, transformou-se num dos mais ácidos críticos do governo petista. Irônico, recorre a uma metáfora futebolística, tão apreciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para revelar seu cetismo em relação aos últimos 18 meses de mandato. "Se seu time começa na defesa, a probabilidade de perder é altíssima", afirma Oliveira. Para ele, Lula não dará, depois de dois anos e meio de governo, uma guinada de 180 graus. "Ai, sim, o país iria à breca", comenta.

As críticas do sociólogo ao governo petista foram feitas nesta entrevista ao BOLETIM concedida pouco antes de sua participação em debate sobre a reforma universitária realizado no dia 5 de maio, na Faculdade de Educação da UFMG. Francisco de Oliveira também mostrou-se temeroso com a expansão do ensino superior pela via do sistema privado: "Sem qualidade, essas instituições podem virar `colegiões´".


Francisco de Oliveira: cenário político sem espaço para uma alternativa de esquerda
Foto:
Arquivo ECA/USP

O senhor veio à UFMG para debater a reforma universitária. A proposta para o ensino superior brasileiro, contida no texto do MEC, repete os mesmos erros apontados pelo senhor em relação a outras áreas do governo Lula?

Não estou a par do texto completo da Reforma Universitária, mas acho péssimo tudo o que conheço da Reforma. A começar por esse Prouni. Estudos demonstram que, com o dinheiro que o governo concederá às empresas sob a forma de incentivo fiscal por acolher alunos carentes, seria possível dobrar o número de alunos nas universidades federais. Este é, portanto, um aspecto que o governo esconde no debate. Por outro lado, a qualidade das universidades privadas não é posta em xeque neste debate. Há algumas universidades, como as católicas, a Metodista e a Makenzie, todas particulares, que têm qualidades. Mas isso não acontece com a maioria das instituições privadas. Elas não fazem pesquisa e não renovam o seu corpo de professores. Ou seja, boa parte da formação superior no Brasil ocorre em instituições precárias. Além do mais, é preciso provar que essas vagas que o governo alardeia existem mesmo. Ter vaga significa dispor de infra-estrutura capaz de receber o aluno, de um quadro de professores bem formados, de instalações e equipamentos de estímulo à pesquisa. Caso contrário, esses instituições se transformarão em "colegiões". Quanto às universidades públicas, o governo diz que está aumentando o número de concursos para contratar professores, mas, na verdade, preenche apenas vagas abertas por professores que já morreram ou que se aposentaram. Não há, portanto, expansão alguma do ensino. Nem nas universidades públicas, nem nas particulares.

Em dezembro de 2003, o senhor publicou uma espécie de manifesto, em que anunciava sua saída do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual foi um dos fundadores. O senhor ainda está convicto de que foi a decisão mais correta?

Não me arrependo em nenhum momento. Estou melhor fora do PT do que dentro. Tenho tribunas livres. Posso desenvolver outras formas de luta política fora do partido. Continuo pesquisador em Ciências Sociais, em plena atividade, livre também de qualquer amarra ideológica, para tentar ajudar a elaborar um pensamento de esquerda no Brasil. O PT, infelizmente, não é mais um partido de esquerda, é sequer um partido dos trabalhadores. Pelo contrário: o governo do PT está se caracterizando como um governo antitrabalhador, uma surpresa da história que ninguém poderia prever. Todas as suas medidas relativas ao trabalho são contrárias ao trabalhador: reformas da previdência, trabalhista e sindical, a tentativa de corte do auxílio-doença. É uma coisa inominável. Logo o PT que criticava tanto o reformismo social-democrata. Depois que assumiu o poder, nem reformista ele é mais.

O governo ainda tem condições de modificar esse cenário?

Dizem que o otimista é um pessimista mal-informado. Mas não sou pessimista, me considero realista. Ninguém passa dois anos e meio no governo fazendo o que está fazendo, para depois dar uma guinada de 180 graus. Aí, sim, o país iria à breca. É como um jogo de futebol. Se seu time começa na defesa, a probabilidade de perder é altíssima. A alternativa é começar atacando, porque se o adversário é melhor do que você pensa, há tempo para um recuo estratégico, para mudar a tática do jogo. Na política é mais ou menos assim. Se o governo começa conservador, não cria nem margem para recuo. Caso inicie com medidas radicais, a situação muda de figura, pois você impõe aos adversários táticas diferentes em várias frentes. Você abre margem para negociar _ não no sentido banal do termo _ e ganha mobilidade estratégica para realizar movimentos táticos que não o afastarão do seu objetivo estratégico. Assim, não vejo como um governo, que já está aí há dois anos e seis meses, consiga, agora, mudar de tática. Se isso acontecesse, daria razão ao Mário Amato, que apontou o aeroporto como caminho ( às vésperas da eleição de 1989, o então presidente da Fiesp disse que 800 mil empresários deixariam o Brasil caso Lula fosse eleito) . Lula deveria ter começado o governo de outra maneira: pautando o comportamento do adversário e não se deixando pautar por ele.

Existe espaço para o surgimento no Brasil de um partido capaz de manter o ideário de esquerda?

Não há nada visível no horizonte nesse sentido, apesar do esforço de fundação do PSOL, que já recebeu mais de 400 mil assinaturas. Esse grupo precisará de muito tempo para se consolidar como alternativa. A defecção no PT causou profundo desalento e desestruturação da esquerda no Brasil. As condições para a formação de partidos de esquerda são muito desfavoráveis. O movimento sindical, por exemplo, está completamente debilitado. É só olhar o que aconteceu com a CUT. Esse cenário, no entanto, não aconselha a desistir, mas recomenda pesquisar melhor o que que se passou na estrutura social brasileira para produzir tal fenômeno.