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Nš 1501 - Ano 31
22.09.2005



O concretismo no além-mar

Tese da Letras estabelece ligações entre a poesia de vanguarda brasileira e a portuguesa

Maurício Guilherme Silva Jr.

isboa, 1977. Exposta no Palácio dos Chimpanzés, uma jaula escandaliza aqueles que passam pelo jardim zoológico da capital portuguesa. No lugar de felinos ferozes ou aves típicas de algum país distante, a espécime biológica, indicada com caracteres científicos, é bastante familiar aos passantes: homo sapiens. No interior da gaiola, alheio ao alvoroço que provoca, o poeta lusitano Alberto Pimenta lê, tranqüilo, o seu jornal diário.

A inovadora intervenção artística, uma das inúmeras iniciativas da poesia experimental portuguesa, insere-se em trajetória literária que inclui, como marco de seu desenvolvimento, o intenso intercâmbio de idéias entre autores brasileiros e lusitanos de vanguarda.

Compreender as extensões deste diálogo literário, entre 1950 e 2000, foi um dos principais objetivos da tese de doutorado de Rogério Barbosa da Silva, defendida em junho por meio do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras. "Era bastante articulada a ligação entre grupos de poetas brasileiros e portugueses", comenta o autor da pesquisa.
Foca Lisboa

Rogério Barbosa: vanguarda brasileira serviu de "janela criativa" para os autores portugueses

Fundadores no Brasil do chamado movimento de Poesia Concreta, os poetas e críticos literários Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari sempre se mantiveram abertos às inovações artísticas mundiais. Tal cosmopolitismo foi importante, inclusive, pela consolidação dos princípios de sua estética, como, por exemplo, a valorização da visualidade do poema: tão importante quanto o conteúdo do texto seria a forma de disposição dos versos no papel. "O movimento se revela muito importante para a literatura brasileira, principalmente pelo caráter crítico de seus fundadores. Eles desenvolvem vasto conhecimento teórico para explicitar seus pontos de vista", explica Rogério Barbosa.

O espírito cosmopolita dos poetas concretos brasileiros fará com que suas inovações estéticas, devidamente acompanhadas do conhecimento crítico que as explica, aproximem-se de escritores lusitanos como Ernesto Néli Castro, Ernesto Manuel de Melo e Castro, Ana Hatherly, Alberto Pimenta e Fernando Aguiar. Se o manifesto concretista foi escrito em 1956, fruto do trabalho de Décio Pignatari e do suíço-boliviano Eugen Gonringer, a vanguarda portuguesa só se organizou em meados da década de 60, com a edição dos Cadernos da Poesia Experimental Portuguesa, fruto do trabalho de Antônio Aragão, Herberto Helder e Melo e Castro.

As produções e as discussões dos concretistas brasileiros estimularam a consolidação de determinados princípios da poética lusitana de vanguarda. A primeira publicação de material da Poesia Concreta em solo português ocorreu em 1959, por intermédio das páginas da revista Tempo presente. Trata-se do mesmo ano em que Ana Hatherly publica o primeiro poema visual português. Em 1962, saiu em Lisboa a plaquete Antologia da poesia concreta brasileira, organizada pelo escritor Alberto Costa e Silva. "Portugal não conta com um grupo coeso de poetas de vanguarda. Eles participarão do fenômeno literário global", explica Rogério.

Resistência

No Brasil, a Poesia Concreta representou a necessidade de discutir a relação do verso com outras linguagens estéticas. Além disso, os novos princípios literários refletiram nuances sociopolíticas e se alimentaram do desenvolvimento tecnológico e das inovações tipográficas. Em Portugal, a vanguarda serviu de instrumento direto de resistência ao status quo. Nos poemas, aparecem os reflexos da luta social contra o salazarismo. "Em relação ao diálogo entre Brasil e Portugal, pode-se dizer que a Poesia Concreta serviu de abertura criativa aos escritores portugueses", afirma Rogério Barbosa.

Em sua tese de doutorado, o pesquisador também disseca os elementos constituintes do "novo" na literatura. "Relaciono conceitos de inovação à poesia contemporânea", explica Rogério, que analisa as principais correntes de vanguarda no Brasil e em Portugal. Além disso, analisa textos críticos e amplo leque de poemas brasileiros e lusitanos. Por fim, o estudo revela a atualidade da produção dos autores envolvidos nos movimentos de vanguarda: "Eles continuam lançando desafios ao leitor. Sua poesia busca a interatividade", completa Rogério Barbosa.
Tese de doutorado: O signo da invenção na poesia concreta e noutras poéticas experimentais _ uma análise da poesia brasileira e portuguesa dos anos 1950-2000
Autor: Rogério Barbosa da Silva
Orientador: Sérgio Alves Peixoto
Defesa: junho de 2005, na Pós-Graduação em Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG