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Nº 1633 - Ano 35
10.11.2008

opiniao

Universidade e compromisso social

Rocksane de Carvalho Norton*

A Universidade está prestes a realizar um processo de seleção inédito na sua história. Já no Vestibular de 2009, alunos com baixas condições socioeconômicas poderão, pela primeira vez, concorrer de maneira menos desigual. A criação do sistema de bônus e as iniciativas associadas ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) permitirão o acesso de estudantes de menor faixa de renda a uma universidade pública de excelência, considerada hoje uma das 400 melhores do mundo e a quarta do país.

Isso não é pouco quando se consideram números da educação superior no Brasil: dos 24 milhões de jovens brasileiros de 18 a 24 anos, apenas 11% ocupam vagas nas universidades; destes, apenas um quarto no ensino público. O próximo ano representará um marco para a UFMG no campo das políticas de democratização do ensino superior. Certamente, a Universidade não será mais a mesma.

O momento é, portanto, de comemoração, mas também de preocupação. Uma nova era foi inaugurada para as políticas de inclusão na UFMG. A ampliação e a democratização do acesso fazem parte desse horizonte próximo, mas não se pode dizer o mesmo a respeito das políticas de assistência. Até então, a assistência na Universidade era garantida pela Contribuição ao Fundo de Bolsas (CFB), que possibilitou a formação de inúmeros jovens desde a fundação da UFMG. O atendimento a esses alunos hoje é feito a partir de programas que cumprem desde necessidades básicas (alimentação, moradia, saúde) até demandas por igualdade de oportunidades (livros, materiais didático-escolares, intercâmbio, inclusão digital, cursos de línguas, computadores, bolsas, entre outros).

Além disso, a CFB foi o principal recurso usado na construção dos complexos Ouro Preto I e II de Moradia Universitária e na manutenção das edificações dos restaurantes universitários e representou metade dos investimentos empregados nas obras da Moradia Universitária do Instituto de Ciências Agrárias de Montes Claros.

Entretanto, o cenário da assistência passa por transformações. Este BOLETIM divulgou a recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a inconstitucionalidade de cobrança de taxas que condicionem a matrícula nas Ifes. A histórica contribuição ao fundo de bolsas, criada por iniciativa dos estudantes na década de 30 do século passado, foi suspensa. Como se dará então a assistência estudantil neste momento?

O governo federal aprovou a destinação de recursos para a assistência estudantil por meio do Programa Nacional de Assistência Estudantil. Recursos bem-vindos, claro, mas insuficientes para fazer frente às demandas existentes e, em especial, aos novos horizontes desenhados pelas amplas políticas de inclusão já assumidas. O desafio está posto: como garantir a permanência de estudantes de menor renda, oferecendo-lhes igualdade de oportunidades? Num momento de transição e urgência, dada a súbita decisão do STF, a UFMG e a Fump propõem a substituição da então Contribuição ao Fundo de Bolsas por um ato de cidadania plena e livre: a contribuição voluntária ao fundo de bolsas.

Um dos grandes questionamentos que emergem desse cenário é exatamente o caráter voluntário da contribuição. Alguns ainda olham com descrédito para a eficácia de ações do gênero e chegam a fazer previsões pessimistas sobre os resultados. Outros preferem argumentar que elas eximiriam o Estado da responsabilidade com a educação superior e com a redução das desigualdades sociais.

É verdade que a contribuição voluntária para financiamento do ensino superior não é uma prática muito comum entre os brasileiros. Mas experiências de países como os Estados Unidos, Canadá e México revelam a existência de uma forte cultura de doações e de um engajamento da sociedade nessas práticas. É o caso de Harvard, Montreal, Oxford, Cambridge. Em muitas dessas universidades há um setor ou departamento especializado em obter recursos e interagir com ex-alunos e a sociedade com o objetivo de desenvolver programas e contribuir para o crescimento da instituição e a manutenção da excelência. Já a Universidade de Monterrey, no México, arrecadou, entre 1996 e 2000, cerca de US$ 27 milhões. Os resultados são bastante positivos se considerarmos que, historicamente, os mexicanos, assim como os brasileiros, não doam recursos para instituições de ensino por acreditarem que esta é uma obrigação do Estado.

Uma campanha voluntária de contribuições não exime o Estado de suas responsabilidades. É fato que a assistência estudantil deve ser pensada como política pública e como destinatária dos recursos do governo. A inclusão nas universidades certamente passa por isso. Mas é fato também que a educação não é uma questão restrita ao âmbito estatal. Toda a sociedade – incluindo aí o Estado – tem sua parcela de responsabilidade, afinal o desenvolvimento e a autonomia de uma nação estão fortemente ancorados no avanço educacional de um país.

Além disso, quem doa toma para si o compromisso de cobrar resultados e de participar, mais de perto, da aplicação desses recursos. Esta é a lógica. Emerge daí a possibilidade do engajamento em uma causa condicionante para o desenvolvimento social e para o credenciamento ao ingresso no rol das nações do primeiro mundo: o investimento em educação.

No ensino superior isso fica evidente. O exemplo de países como Índia e Coréia do Sul evidencia que o investimento em educação aumenta a produção de conhecimento e de tecnologias, fatores necessários ao desenvolvimento socioeconômico. A perspectiva de uma educação inclusiva, com investimentos em políticas de permanência, tem reflexo direto no combate às desigualdades sociais e, em última instância, no estabelecimento de uma nação mais justa e com oportunidades mais equânimes.

A pretensão de solucionar todos os problemas sociais brasileiros pode ser grande, mas a viabilidade disso começa, certamente, no âmbito local. Neste momento, a perspectiva de uma educação mais democrática requer de nós, professores, alunos e servidores técnico-administrativos da UFMG, um posicionamento reflexivo e cidadão. A contribuição de cada um, se somada, é capaz de fornecer um horizonte positivo para a manutenção da assistência estudantil na Universidade. Não se trata de dispensar o Estado de suas obrigações, mas de nos incluirmos verdadeiramente nesse projeto de nação mais justa, no qual todos, sociedade e Estado, têm responsabilidades. Cruzar os braços e apenas esperar que seja cumprido o artigo 206 da Carta Magna só atrasará o percurso rumo a uma sociedade democrática e igualitária.

*Presidente da Fundação Universitária Mendes Pimentel (Fump).

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