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Nº 1642 - Ano 35
2.3.2009

Sertão: espaço metafísico

Livro revela estudo sobre a natureza em Guimarães Rosa,
com base em notas da famosa viagem com o
vaqueiro Manuelzão em 1952

Itamar Rigueira Jr.

Índios Maxakali

“A natureza para Guimarães Rosa não se apresenta como um espetáculo ou uma coleção de aspectos naturais compondo um cenário ou um palco, onde se desenrola a aventura da viagem. A natureza não está longe, nem fora, nem ao redor, não impõe medo, nem espanto, nem afasta as pessoas. O ambiente/sertão não está separado das pessoas, dos bichos, das plantas, e sim dentro de cada um, caracterizando o jeito de ser e de viver.”

O trecho acima dá a medida do Guimarães Rosa revelado por pesquisa da bióloga Mônica Meyer, realizada para tese de doutorado e transformada em livro pela Editora UFMG. Mônica precisou produzir um paper para uma das disciplinas do doutorado – na área de antropologia – na Unicamp, há pouco mais de dez anos, quando deparou, no Arquivo Guimarães Rosa do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, com as 323 páginas de A boiada, conjunto de anotações do escritor relativas à viagem ao sertão de Minas, guiada pelo vaqueiro Manuelzão, em maio de 1952. O volume e a riquezado material modificaram o rumo do trabalho da pesquisadora, que pretendia tratar em sua tese das relações entre homem e natureza. E o resultado está no livro Ser-tão natureza – A natureza em Guimarães Rosa.

“Sempre fui apaixonada pela natureza e fiquei impressionada com a força poética dos registros de A boiada, inventário da fauna e da flora, das serras e rios do sertão”, comenta Mônica Meyer, Professora da Faculdade de Educação (FaE) da UFMG. Segundo ela, seu trabalho trata pela primeira vez das notas de Rosa – que permanecem inéditas – sob um ponto de vista não-literário e ainda traz um novo estudo sobre a obra do autor de Grande sertão: veredas.

“Minha proposta é discutir o significado da natureza para Guimarães Rosa, que recriou grande parte de suas notas no Grande sertão e nas novelas de Corpo de baile”, explica Mônica. A pesquisadora comenta que o escritor mineiro mostra conhecimento intenso dos recursos naturais do sertão e, mais que isso, da cultura do sertanejo, integrando as ideias de diversidade biológica e cultural. “Seu olhar não é apenas contemplativo, ele exercitou a observação minuciosa, fazendo uma leitura polissêmica e sinestésica, ou seja, ampla de significados e integrando todos os sentidos”, explica Mônica.

Fontes variadas

Para produzir Ser-tão natureza, Mônica Meyer pesquisou trabalhos sobre a literatura de Guimarães Rosa, análises também literárias sobre as anotações que compõem A boiada, naturalistas do século 18, historiadores e antropólogos como Carlos Rodrigues Brandão, que assina o prefácio do livro. A pesquisadora aborda a relação do homem com a natureza ao longo do tempo, a questão das notas de campo (“hoje se dá valor científico a esse tipo de material, que tem sido publicado”, ela salienta) para chegar à articulação desses dois conteúdos no caso de Guimarães Rosa.

Mônica Meyer considera que sua tese, agora transformada em livro, traz um olhar novo para a biologia e para o debate da questão ecológica ao sugerir que natureza e cultura estão imbricadas e que a literatura deve ter papel importante nessa discussão. “Rosa já sinalizava, desde os anos 30, em Magma, o que os ambientalistas começaram a perceber muito tempo depois”, afirma Mônica. “Seus vaqueiros conseguem dialogar com a natureza, tratada como sujeito e não como objeto de troca, mercadoria.”

De acordo com a pesquisadora, Guimarães Rosa – que ela define como um “leitor de mapas, de trajetos e travessias, enfim, de deslocamentos” – faz muito mais que um discurso ecológico vazio ou descrições bucólicas. “Ele fala de dentro para fora, viajando por um espaço que, mais do que geográfico, é metafísico”, conclui Mônica Meyer.

Livro: Ser-tão natureza – A natureza em Guimarães Rosa
Autora: Mônica Meyer
Editora UFMG
Páginas: 231
Preço: R$ 36