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Nº 1644 - Ano 35
16.3.2009

Bactéria desvelada

Rede Genoma de Minas Gerais sequencia DNA de agente
causador de doença que atinge rebanhos ovino e caprino

Ana Maria Vieira

Filipe Chaves
Vasco
Vasco: 2,5 milhões de bases sequenciadas

O véu que encobria a biologia e o “estilo de vida” da Corynebacterium pseudotuberculosis está por cair. Causadora da linfadenite caseosa, uma das zoonoses de maior impacto na ovinocaprinocultura em todo o mundo, a bactéria teve seu DNA esmiuçado nos últimos dois anos pela Rede Genoma de Minas Gerais (RGMG). Com 98% do trabalho concluído, o grupo deverá publicar artigo sobre o tema em agosto.

“Sequenciamos 2,5 milhões de bases que compõem o DNA da bactéria e agora vamos finalizar a etapa de anotação”, diz o professor Vasco Azevedo, do ICB, um dos líderes do grupo de pesquisadores da UFMG na Rede. Para produzir tal volume de informações em tão pouco tempo, a equipe recorreu a novas tecnologias e, especialmente, ao equipamento Solid, sequenciador de alta performance adquirido pela rede mineira. “Ele realiza o sequenciamento dos fragmentos do DNA, em seguida à quebra da molécula. O método anterior exigia a clonagem desses fragmentos e o procedimento era demorado”, relata o professor. Esse é o primeiro sequenciamento realizado integralmente em Minas Gerais.

A Corynebacterium pseudotuberculosis pertence à mesma família das bactérias que desencadeiam a lepra, a difteria e a tuberculose. De fácil contágio, ela pode ser transmitida por meio do consumo de água e de alimentos contaminados e no contato com feridas na pele do animal. Conforme explica Vasco Azevedo, a bactéria infecta sobretudo pequenos ruminantes, produzindo abscessos purulentos em seus gânglios linfáticos e órgãos internos. A doença é considerada crônica, mas não há registro de ocorrência entre humanos no Brasil.

Na pecuária, os prejuízos causados por sua incidência decorrem da redução da produção de leite e de seus derivados, do consumo da carne e da pele animal. Os números evidenciam a dimensão do problema: estima-se que a maior parte dos rebanhos brasileiros de cabras e ovelhas esteja infectada e que pelo menos 30% desse universo desenvolveram a doença.
Em Minas Gerais, o quadro não é diferente. Estudos recentes realizados por pesquisadores da Escola de Veterinária e do ICB em 200 propriedades rurais mineiras mostram que 80% dos caprinos e 70% dos ovinos estão infectados. O rebanho mundial alcança 900 milhões de cabeças e há relatos da doença na África do Sul, na Austrália, na Nova Zelândia, nos Estados Unidos e no Canadá. No Brasil há cerca de 23 milhões desses animais, segundo Vasco Azevedo. Os rebanhos concentram-se sobretudo na região Nordeste.

Virulência

“Apesar da importância econômica e da disseminação da linfadenite em todo o mundo, ainda não há tratamento com fármacos ou vacinas efetivas contra a infecção causada pela Corynebacterium pseudotuberculosis”, diz o pesquisador. Uma das dificuldades advém do incipiente conhecimento acumulado sobre a patogenicidade da bactéria. A quebra de seu genoma, no entanto, deverá elucidar mecanismos de infecção comandados pelos genes e favorecer diferentes estratégias de erradicação da linfadenite.
“Poderemos compreender como os genes da Corynebacterium atuam sobre fatores de virulência e patogenicidade que causam a doença – como a adesão da bactéria na mucosa, sua internalização e multiplicação nas células, como ela se evade do sistema imune e o dano que causa ao hospedeiro”, enumera Vasco. O conhecimento adquirido pelos pesquisadores possibilitará testar medicamentos e vacinas capazes de atuar em algumas dessas etapas de invasão da bactéria no organismo animal.

Exemplo dessa linha de estudo já pode ser encontrado entre integrantes do grupo da UFMG. Mesmo inconcluso, o trabalho de sequenciamento produziu volume de informações suficiente para subsidiar, por meio de pesquisa de doutorado, o desenvolvimento de vacinas com linhagens mutantes da bactéria, capazes de alcançar índices de proteção contra a doença acima de 70%, em camundongos. Defendida no início do mês, no ICB, a tese Análise do potencial vacinal de linhagens recombinantes e selvagens inativadas de Corynebacterium pseudotuberculosis, de autoria de Fernanda Alves Dorella, é uma das seis da fase de pesquisa pós-genômica da Rede. Para verificar a validade dos resultados também entre ovinos e caprinos, testes serão aplicados nesses animais em parceria com a empresa de produtos veterinários Vallée S.A. Pedido de patente para as vacinas já foi depositado pelos pesquisadores.

O sequenciamento da Corynebacterium contou com financiamento de R$ 1,95 milhão da Fapemig. A escolha do organismo ocorreu em 2005 pelo CNPq, mas apenas em 2007 a Rede Genoma de Minas Gerais iniciou o trabalho. De acordo com Vasco Azevedo, diversos motivos justificaram a preferência pelo consórcio: o interesse acadêmico em formar pessoal em genômica, a necessidade de desenvolver vacinas e a percepção de seu impacto socioeconômico. “A ovinocaprinocultura tem crescido 4% ao ano no país, além disso, possui grande importância para a agropecuária familiar”, ressalta.

A rede mineira é formada pela Embrapa Sete Lagoas, Instituto René Rachou (Fiocruz) e universidades federais de Minas Gerais, Uberlândia, Ouro Preto, Lavras e Viçosa. A coordenação geral é de Guilherme Oliveira, da Fiocruz.