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Nº 1646 - Ano 35
30.3.2009

O mistério do chuvisco

Luis Alberto Brandão, da Fale, encanta crianças e adultos com o original e premiado Chuva de letras

Itamar Rigueira Jr.

Brandão
Brandão: designer gráfico do próprio livro

Como escritor, Luis Alberto Brandão leva vida dupla. Professor da Faculdade de Letras da UFMG, ele tem publicado livros sobre teoria e crítica literária e outros de ficção. E, segundo o próprio autor, esses universos se misturam: ele aplica recursos ficcionais no trabalho acadêmico e lança mão do teor de suas pesquisas para a composição das histórias.

Envolvido nos últimos anos com investigações sobre o conceito de espaço como categoria literária – o espaço realista, o imaginário e o da linguagem –, Luis Alberto Brandão mais uma vez promove a interseção das suas atividades. No recém-publicado Chuva de letras, ele explora com sensibilidade e originalidade a superfície de cada uma das 224 páginas do livro para contar a história de Nelson, um jovem estudante e trabalhador que experimenta, na solidão das noites em seu barraco no morro, um diálogo com uma espécie de fantasma.

Brandão utiliza intervalos largos entre frases, quebras que lembram poesia, tipos diferentes de letra para momentos distintos da narrativa – investimento, como ele diz, na “autonomia das palavras”. E, não bastasse isso, cria ele mesmo, como se ousasse ser ilustrador e designer do próprio livro, o recurso gráfico que representa a tela onde se abriga a fala do interlocutor de Nelson. O resultado é o que ele imaginou. “O livro é simples, mas sem perder de vista uma certa complexidade, e a edição ficou elegante e arrojada, fora do trivial”, define o professor de Teoria da Literatura da Fale.

A solução gráfica que Luis Alberto Brandão tratou como provisória acabou sendo aproveitada quase na íntegra. Editores e designers bem que discutiram e testaram formas mais sofisticadas de traduzir a ideia do autor, mas acabaram sucumbindo à simplicidade e à eficiência das barrinhas que ilustram o fundo desta página e que, no livro, lembram aquele chuvisco de uma tela de televisão com recepção ruim. “Compus o desenho em Word, sem qualquer pretensão”, conta Brandão.

Sem limite de idade

A obra valeu a Luis Alberto Brandão a edição 2007 do Prêmio João-de-Barro, promovido pela Prefeitura de Belo Horizonte. Naquele ano, a ênfase foi sobre literatura infantil, e o pequeno volume de texto é de fato mais comum em livros dirigidos a crianças. Mas Chuva de letras não é uma obra para público restrito. A propósito, na abertura da edição, o escritor João Gilberto Noll – de Hotel Atlântico e Mínimos múltiplos comuns – fala sobre “a sensação de que (o livro) foi feito para qualquer idade. É como se crianças, jovens, velhos e maduros se sentissem na mesma clave que a todos iguala”.

Luis Alberto Brandão tem intimidade com prêmios literários. Levou o Cidade de Belo Horizonte, por Um olho de vidro – a narrativa de Sérgio Sant’Anna (Fale/UFMG, 2000), escreveu Saber de pedra – o livro das estátuas (Autêntica, 1999) com subsídios da Bolsa Vitae de Artes e foi finalista do Prêmio Jabuti com Grafias da identidade (Lamparina, 2005). Ele hesitou em inscrever Chuva de letras no João-de-Barro porque naquele ano o Prêmio convocava obras infantis e ele achava que seu livro atingiria público um pouco mais velho. “Mas estava pronto, e eu resolvi não esperar”, conta o autor. Pois o livro recebeu menção honrosa dos três jurados especialistas e mereceu a escolha unânime do júri infantil, composto de 11 alunos de duas escolas públicas de Belo Horizonte, na faixa entre nove e 10 anos de idade.

“Talvez as crianças sejam atraídas pelo clima esquisito, de um certo mistério”, especula Brandão. Feliz com mais um prêmio, ele conta de sua alegria também com a possibilidade de conversar com os jurados mirins no dia da premiação. “Eles demonstraram paixão e empatia com a história, aquilo me deixou comovido”, diz o criador de Nelson, criança-adulto em busca de alternativas e capaz de forjar, em produtivos delírios, a perspectiva de soluções para uma vida difícil.

Livro: Chuva de letras
Luis Alberto Brandão
Editora Scipione
224 páginas
R$ 30,90 (preço sugerido)